Instabilidade política no Burundi: “Muitas pessoas estão deixando o país. Queremos apenas a paz”, diz líder estudantil

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Burundi – Foto de Virginia Maria Yunes

Natalia da Luz, Por dentro da África 

Rio – Nos últimos meses, Burundi tem vivido uma tensão permanente entre os apoiadores e opositores do governo. Os conflitos políticos começaram após a confirmação de que Pierre Nkurunziza concorreria às eleições presidenciais marcadas para o final de junho. Seus opositores diziam que ele não deveria concorrer porque, desta forma, estaria a caminho do terceiro mandato, o que iria de encontro à Constituição e ao Acordo de Arusha para a Paz e Reconciliação. Nesta sexta-feira, o governo anunciou que a tentativa de golpe de Estado promovida pelo general Godefroid Niyombar na quarta-feira foi frustrada e que os responsáveis seriam punidos.

– Estamos acostumados a ver confrontos durante esses períodos de eleições. No entanto, o que é novo é a possibilidade de um terceiro mandato do presidente Peter Nkurunziza. Tanto a Constituição quanto o Acordo de Arusha dizem que qualquer presidente deve governar apenas por dois mandatos e cada mandato será de cinco anos. Após a deposição do presidente, o povo foi para as ruas celebrar – disse, em entrevista ao Por dentro da África, o cientista político burundiano e líder estudantil  Bright Teddy.

Peter Nkurunziza

Teddy lembra que, no primeiro mandato, em 2005, o presidente, de etnia hutu e do Conselho Nacional para a Defesa da Democracia-Forças de Defesa da Democracia (CNDD-FDD), foi eleito pelo Parlamento e não diretamente pela população porque os líderes políticos concordaram que a nação havia saído da guerra e que seria urgente essa medida. Na segunda vez, ele foi eleito diretamente pela população. Agora, a discussão entre o partido no poder e a oposição faz um questionamento sobre a violação da Constituição e do Acordo de Arusha.

Acordo de Arusha

Burundi – Foto de Virginia Maria Yunes

No dia 5 de abril de 1993, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a resolução intitulada “Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda”, com o objetivo de pôr fim aos combates no país, mas, em 6 de janeiro de 1994, um avião francês pousou no aeroporto de Kigali, carregado com munições e armas destinadas às Forças Armadas de Ruanda (FAR).

Na noite do dia 6 para 7 de abril de 1994, o então presidente de Ruanda Juvénal Habyarimana (hutu) e o presidente do Burundi, Cyprien Ntaryamira, foram assassinados quando o avião no qual viajavam foi atingido por um míssil, o estopim para o genocídio de Ruanda que deixou mais de 800 mil mortos em 100 dias de confrontos.

Veja mais: A tragédia de Ruanda não foi lição 

– Em diferentes províncias do Burundi, o partido no poder tem organizado manifestações. Dezenas de pessoas foram presas. Nós temos muitos homens da polícia em diferentes áreas da capital Bujumbura para deter ou prevenir as pessoas que querem se manifestar contra o terceiro mandato do atual presidente. Duas semanas atrás, o partido no poder chamou a juventude de Bujumbura para uma manifestação – lembra Teddy.

burundi 22Por conta da tensão, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) foram registrados, nesta terça-feira, mais de 20 mortes e 200 pessoas feridas. O número de refugiados passa dos 100 mil e, de acordo com a ONU, muitos atravessam as fronteiras do país para Ruanda, República Democrática do Congo e Tanzânia.

– Toda a população quer apenas a paz. Não há tensão étnica. No entanto, alguns políticos podem usá-la para seu próprio lucro. Nos últimos dias, as pessoas foram guiadas por rumores. Nesses rumores, dizem existir um genocídio que é preparado, mas não é verdade, porque as pessoas que protestam são de ambos os lados: Tutsi e Hutu – contou Teddy, que durante o genocídio em seu país, perdeu o pai e o irmão mais velho.

Conflitos étnicos e política

Burundi – Foto de Virginia Maria Yunes

Burundi é um pequeno país entre Ruanda, Tanzânia e República Democrática do Congo. Em 1885, na Conferência de Berlim, seu território foi entregue à Alemanha. A chegada dos colonos alemães, a partir de 1906, agravou antigas rivalidades entre os hutus (maioria da população) e a minoria tutsi. Após a Primeira Guerra Mundial, o país foi anexado à vizinha Ruanda, ficando sob tutela da Bélgica. Em 1946, a tutela passou para a ONU.

Em 1962, o país se tornou independente. Com a saída da força militar belga, a luta pelo poder transformou-se em conflito étnico e alcançou toda a sociedade. As décadas seguintes foram marcadas por uma sucessão de golpes de Estado. Um dos piores massacres da história do Burundi aconteceu em outubro de 1993, quando oficiais tutsis fuzilaram o primeiro presidente eleito democraticamente, o oposicionista hutu Melchior Ndadaye, que estava no cargo havia quatro meses. Em 1998, começam as negociações para um processo de pacificação no Burundi.

– Desde o fim da guerra, meu país fez enormes progressos em termos de democracia. Somos o único país da África a praticar uma espécie de democracia quando as pessoas de grupos étnicos diferentes se reúnem para compartilhar poder. Mas agora, esse cenário, pode afetar o que conquistamos.

Por dentro da África