
Por Calido Mango, Por dentro da África
Texto escrito a partir de áudio do artista mandinga Lalo Kebba Drammeh e de conhecimentos sobre a cultura do autor Calido Mango.
A África é um dos continentes conhecido como o lugar historicamente repleto de impérios e reinos estruturados politicamente, com organização social que respeita as realidades nativas. O mandinga é um dos vários povos que, desde muito cedo, consolidou o poder governativo e organizado como um Estado tradicional africano.
A queda do Estado de Gana baseada no conselho dos anciões pela invasão Almorávida (séc. XI), possibilitou o surgimento do Império do Mali (1235) após a Batalha de Kirina entre os Susso (liderados pelo Soumaorou Kanté), e os Mandé (liderados pelo Madi Diatta – Sundiatta Keita). Esse último organizou um sistema político e econômico inserindo elementos da cultura Islã-Árabe, presente na sucessão patrilinear e poder centralizada dos árabes do Norte de África (GONÇALVES, 1961).
Em 1537, os Mandinka, provenientes do poder central do império do Mali, invadiram Senegâmbia e fundaram o império de Kaabu, também conhecido como Ngabou ou N’gabu. Esse reino era constituído por diversos povos, dentre os quais destacava-se o povo Mandinka (DJOP, 2013). O Tiramakhan Traoré conquistou as terras do lado Oeste desse império (Mali), enquanto o fiel general do Mansa Madi Sundiatta Keita, afundou o Kanta Kaabú.
O Reino de Kaabú compreendia as terras dos países da Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamansa, ao Sul do Senegal. E tinha o embrião do poder Kansalá (centro político), situado na atual região Norte de Gabu, província leste da atual República Guiné-Bissau (LOPES, 1999).
O império do Mali conhecido também como império dos Djalis Mandé (cantores Mandinga) – sofreu uma forte ruptura com o surgimento do reino independente do Kaabu no século XVI, após o declínio do poder central – constituindo, assim, um Estado autônomo com poderes próprio e governado por um Mansa (rei) chamado Sama Koli conhecido como Kaabu Mansabá ou Farim Kaabu, neto de Tiramankhan Traore.
Os Mandinka detinham grande poder político e cultural sobre todo o território de Kaabu. Confiavam os poderes divinos aos Djalan (forças dos seus ancestrais) espalhados pelas quatro principais cidades do império – Kankelefá, Kabintum, Kansalá e Samakantentensuto. As três primeiras eram as principais cidades natais dos Mansas que governaram o império de Kaabu durante esse período.

A estruturação social era feita de Kóntôn’nu, Kordalu e Kabílôlu. Os ferreiros, cantores e caçadores também eram muito importantes na hierarquia social Mandinka desde o início do império.
Kóntôn’nu são sobrenomes das diferentes famílias que faziam parte do império tais como – Sani, Mané, Sonco, Djambam e vários outros.
Já o Kordalu é junção das famílias de diversos sobrenomes que viviam lado a lado e constituíram um laço de vizinhança como se fossem famílias de raiz.
O Kabílolu são gerações que compunham o Império.
Durante esse período passaram os reinados de Sama Koli, Mama Cadi Sani, Mansa Bacari e até o mais notório e último rei do império de Kaabu o Mansa Mama Djankè Wali.
Segundo Lalo Kebba Drammeh, Mama Djankè Wali foi um rei Mandinka que teve um reinado repleto de valentia e bravura. Ele era muito querido pelo seu povo. Nasceu na cidade de Kabintum, dentro de uma das províncias do reino de Kaabu. Quando chegou a sua vez para subir o trono e governar Kaabu, era necessário passar pelas aprovações dos quatro principais Djalan em diferentes cidades do império. Era um ritual que todos os Mansas faziam antes de assumir o trono. Este ritual foi acompanhado pelos mestres Mandinka, sábios das diferentes dinastias e as pessoas comuns junto dos cânticos da honra e fidelidade a um Mansa. (Hoje os rituais dos Djalan não existem na etnia Mandinka devido a sua islamização.)
Wali manteve a dignidade e respeito do povo Mandinka e os protegeu durante o seu reinado. Constituindo um exército com homens fiéis ao governo e ao povo, acabou com as ameaças de outras etnias, pacificou o império e deu segurança ao seu povo durante o seu reinado.

No início do século XIX, o reino Mandinka se envolveu numa divergência com a etnia Fula que já se encontrava islamizada, e começou a fazer contato com os territórios não-muçulmanos que habitavam a “África Ocidental”. Em 1867, um reino Fula chamado Futa Tooro, desencadeou uma guerra contra o império Mandinka com dois propósitos:
1- dominar os Mandinkaa obrigando-os a pagar Námô (imposto);
2- iniciar uma Jihad contra o império de Kaabu com o propósito de convertê-los em muçulmanos. Esta batalha foi conhecida literalmente como a “Guerra de Kansalá”, mas a denominação Mandinkaa atribuída a essa batalha foi Turbam kelò, que significa “a guerra do fim da geração”.
As forças islâmicas Fulas sitiaram a capital Kansalá durante 11 dias numa batalha tensa. O exército do Mansa Djankè Wali enfrentou os Fulas para salvar o Império. Havia batalha em diversas frentes nas diferentes cidades. Os Fulas conseguiram dominar várias cidades e pequenos reinos – isso se deu porque o seu exército era mais numeroso do que o dos Mandinka. Quando chegaram à capital do império, onde residia o Mansa, não conseguiram violar a grande cerca que protegia a entrada. Emboscaram por alguns dias no exterior do Kansalá em quanto estudavam as estratégias de controlar o exército Mandinka.
Na madrugada do décimo primeiro dia, abriram novas ofensivas contra Kansalá em quatro frentes, intensificaram-se as trocas do tiro entre os Exércitos com armas de fogo até o final da tarde do mesmo dia – numa altura em que o exército do Mansa Mandinka viu-se fragilizado pela falta da munição e não conseguiu se sobressair à força do exército inimigo.
Morreu o Mansa e, o resto do seu exército e a população que se encontrava dentro da cerca do centro político (Kansalá). O Mansa preferiu acabar com o seu reinado de forma heróica e evitar uma captura para não se tornar num escravo ou prisioneiro do exército inimigo. Dessa forma, chegou ao fim o histórico reino de Kaabu.
Nos dias atuais, na cidade de Kansalá, um pouco afastada do centro de atual cidade de Gabú, ainda é visível alguns vestígios que simbolizavam a grandeza e a estruturação da capital desse reino.
Referências Bibliográficas
Uma tradução feita da obra musical de músico e historiador tradicional Mandinga, Lalo Kebba Drammeh. Considerado uns dos maiores tocadores de kora, Lalo Kebba Drammeh foi um artista e conhecedor da cultura mandinga nascido em Kwenela.
DJOP, Pate Cabral, Os três irmãos: o sanguinário ficou em Bissau e os dois foram para Gâmbia e Senegal. 2013.
GONÇALVES, José Júlio. O islamismo na Guiné portuguesa: ensaio sociomissionológico. Lisboa: Tipografias Silvas, 1961.
LOPES, Carlos. KAABUNKE: Espaço, Território e Poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance Pré-coloniais. 1ª ed (Trad. Maria Augusta Júdice e Lurdes Júdice). Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999.
Por Calido Mango, graduado em Humanidades pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB, Campus dos Malês – BA e, licenciando em Ciências Sociais pela mesma universidade.
E-mail para contato: oficialmango1@gmail.com
parabes irmão, esta é a hisoria real do reino de kaabu, fiquei muito feliz por ter encontrado este brilhante trabalho seu,este nos ajuda ligar com os nossos ancestrais. tenho orgulho de voce.
Conheço uma história contada, sobre o rei mandinkaa, que deixou parte de sua família como garantia de que iria entregar um lote de escravos, e perdeu alguns de seus descendentes que ficou escravizado no Brasil
Parabéns meu irmão, fiquei feliz pelo seu trabalho.
Eu nasci em Gabu. Essa é autêntica história. Obrigado.
Excelente trabalho sobre esta Historia. História essa que deve ser contada e repassada a geração e a vindoura geração.
Sempre gostei de História e Antropologia. Já tinha ouvido falar na etnia Mandiga e Fula.
Mas essa publicação da sua origem , seu grande Império, como funcionava é um exemplo , na minha opinião, com os as devidas adaptações , em lugares de onde vivem grupos étnicos , que tem sua forma se organizar , tanto quanto sei.
Agradeço_te muito publicares a história secular e até milenar do continente africano.
Que deixou artes que ainda hoje se escutam, se não me engano-música e seu linguajar. Tudo tem um passado! Grata por publicares. Continua. Beijinhos desta curiosa em conhecer.
Parabéns por esse brilhante trabalho, uma história esquecida na obscuridade do tempo.
Parabenizo-te pelo seu magnifico trabalho meu mano. Na verdade, o nosso continente tem muito pra ser escrito e, sobretudo, o nosso país que há muitas diversidades étnicas e com as histórias peculiares que só lá se encontra, mais uma vez parabéns.
Parabéns meu irmão, continue que a gente precisa de conhecer bem à história e porque não insentivar o senhor a escrever livro sobre esta belíssima história?! Bem haja e que Deus abençoe você…