“O que aconteceu hoje não é vontade popular, mas um golpe militar contra o povo”, diz manifestante no Cairo

Protestos no Cairo - Foto: Lyaily Abdul AzizNatalia da Luz – Por dentro da África

Rio – Eleito em 2012, após muitos conflitos ocasionados pela Primavera Árabe, Mohamed Mursi foi o primeiro presidente da chamada era democrática do Egito, experimentada depois de 30 anos de ditadura de Hosni Mubarak, deposto em fevereiro de 2011 pelo povo. Hoje, o povo foi às ruas novamente, ocupando, principalmente, a Praça Tahir, no Cairo, símbolo do basta à tirania de Mubarak. O Exército egípcio depôs o atual presidente, deixando uma nuvem de incertezas sobre o presente e o futuro de uma jovem democracia bem conturbada.

– Em primeiro lugar, o que aconteceu hoje no Egito não é vontade popular, mas representa um golpe militar contra o povo. O presidente foi eleito de forma legítima e constitucional, e não acho que essa tenha sido a melhor maneira de pressionar – destaca em entrevista ao Por dentro da África o egípcio Fouad Ahemd.

O Egito é um país governado por militares durante muitas décadas, é uma nação que, diferentemente de seus vizinhos que viveram a Primavera Árabe (como Líbia e Tunísia), a instituição Forças Armadas é muito forte. Desde Nasser (militar egípcio eleito em 1954), os militares tinham seus privilégios garantidos até a queda de Mubarak, que marcou uma ruptura na história política do país.

– Desde o início dessa nova era do Egito, os militares não estavam satisfeitos com o presidente por conta da sua relação com o antigo regime. Pelo lado do povo, havia uma insatisfação generalizada não apenas com Mursi, mas com a Irmandade Muçulmana e os seus princípios, destaca o manifestante de 30 anos.

“A Primavera Árabe precisava acontecer. Era a luta pelo futuro”, diz especialista 

Protestos no Cairo - Foto: Lyaily Abdul AzizMursi foi eleito em um pleito legítimo, apesar de uma diferença bem pequena entre o seu partido e o opositor: 52% contra 48%. O que aconteceu hoje pode ser considerado um golpe de estado? Durante os discursos desta quarta-feira, representantes das Forças Armadas não consideraram assim. Se ele foi retirado do poder (onde o próprio povo o colocou), como não associar essa atitude a um golpe?

Prazo de 48 horas para o presidente atender às reivindicações 

Egito - ONU - Mursi

As Forças Armadas do Egito anunciaram segunda-feira passada que agiriam, caso as exigências do povo não fossem atendidas em 48 horas. Entre as muitas reivindicações, a população pedia mais emprego e medidas contra a crise econômica que deteriorou os negócios do país no  último ano. No domingo, durante protestos (organizados pelo movimento opositor Tamarod), milhões de pessoas foram às ruas para pedir a renúncia do presidente. Centenas de manifestantes ficaram feridos e mais de 16 foram mortos nos conflitos entre opositores e partidários de Mursi.

Em meio à tensão e à pressão dos militares, a Irmandade Muçulmana, partido que Mursi representa, disse, em comunicado, que “Qualquer força que for contra a Constituição é um chamado à sabotagem e anarquia.” Do outro lado, posicionou-se o general Abdel Fattah al-Sissi, chefe do Exército e ministro da Defesa.

Protestos no cairo - Foto: Lyaily Abdul AzizGrande parte dos egípcios acredita que as Forças Armadas aproveitaram a insatisfação do povo para organizar uma onda de protestos. Isso porque, para Ahmed, há milhões que apóiam a legitimidade do presidente de Mursi, mas existem também milhões que a recusam. Não podemos esquecer que esse resultado veio das urnas, lembra ele.

– Do meu ponto de vista, voltamos à época da ditadura autoritária injusta com a  abertura de novas prisões. O que vemos hoje não é uma revolução, pois o sistema anterior era tirano há 30 anos! Este foi resultado das eleições – diz o egípcio, lembrando que o Exército poderia empurrar para as eleições o seu principal candidato.
– Peço a Deus para reconciliar o Egito e o conduzi-lo para fora desta crise com o novo presidente. Desejamos o bem, mas também tememos um confronto entre partidários do presidente Mursi e os novos adversários.