“O terreiro é esse quilombo que conseguimos reconstruir e acolher a todos e todas”, diz Roger Cipó

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Sango, o orixá da justiça, em sua dança ancestral” – Roger Cipó

Natalia da Luz, Por dentro da África

Diadema – Ele usa a fotografia como ferramenta para lutar contra a intolerância e educar sobre os múltiplos aspectos das religiões de matrizes africanas. Desde 2013, Roger desenvolve um diálogo a partir do projeto Olhar de um Cipó, de alguém que vivencia o candomblé.

-Nas fotografias, eu mostro o terreiro em suas dimensões, o afeto, a relação de amor entre orixás e seus filhos. O terreiro é esse quilombo que conseguimos reconstruir e acolher a todos e todas com diferenças e singularidades a partir da fé” – disse Roger Cipó, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África.

Assista ao vídeo abaixo

Vivendo há 10 anos dentro do candomblé, o fotógrafo leva para a profissão a experiência da vida pessoal e lembra a relevância desse espaço (o terreiro) na reconstrução da dignidade dos povos negros. Durante os quase 400 anos de tráfico transatlântico (XVI até XIX), as manifestações religiosas e culturais praticadas pelos negros eram proibidas, consideradas crime. Em 2017, no país com a segunda maior população negra do mundo (a primeira é Nigéria), as manifestações de racismo assustam e revelam o quanto a sociedade brasileira precisa aprender sobre a sua própria história.

“Ainda hoje o ser negro é criminalizado em nossa sociedade. Nos últimos anos, temos visto um avanço de grupos extremistas brasileiros. Os ataques às casas de umbanda e candomblé são crescentes. Neste momento, também enfrentamos uma luta que propõe a criminalização da nossa religiosidade. Quando enfrentamos um projeto de lei que quer organizar a nossa forma de se alimentar e de existir, entendemos que isso se dá por conta do racismo vigente”, destacou o fotógrafo.

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Roger Cipó

Cipó fala de projetos de lei que proíbem o sacrifício de animais em rituais religiosos. Cabe ressaltar que não se trata de uma guerra aos maus-tratos contra animais já que o terreiro é um lugar que, em sua essência, se relaciona com a natureza de forma harmoniosa.

“A gente compartilha com a natureza o que é da natureza. Temos uma alimentação ancestral. A imolação é um rito que vai nos sustentar, que vai nos oferecer da natureza uma carne sacralizada, assim como o axé dos orixás, como a água da cachoeira, os vegetais, as frutas”, contou o fotógrafo iniciado na tradição lessé egungun como Omoisan (no terrreiro Ile Egungun Obanile) e consagrado alabé no candomblé de tradição ketu, Asé Iya G’unté. (Alabé é o cargo dado ao homem que conduz cânticos e orquestra dos atabaques).

“Oya e Sango, o sagrado casal do fogo” – Roger Cipó

Militante, Cipó luta também contra a ignorância, mas lembra que é muito difícil mudar a imagem cristalizada de quem está repleto de preconceitos. Com o seu trabalho, ele quer alcançar, principalmente, quem está aberto a aprender sobre os rituais que compõem essas manifestações religiosas. A atuação dele foi consagrada com os prêmios Almerinda Farias Gama – para comunicadores negros – e troféu Luiza Bairros, pelo combate à intolerância religiosa por meio da comunicação.

Veja também: A intolerância contra as religiões de matrizes africanas no Brasil

“Por isso que somos os irmãos de santo, os pais de santo, os filhos de santo. É uma possibilidade de formarmos essa família. Somos a família que retorna à África. É muito difícil viver em uma sociedade que, todos os dias, diz que o que é do negro é ruim e que o lugar do negro é a margem.”

Séries sobre a infância no candomblé

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“Pequena Ekeji em dança para Yemojá” – Roger Cipó

A fotografia de Cipó ensina, impressiona, toca. Uma das suas séries de beleza ímpar é “Crianças entre Divindades”, onde ele reforça a sua luta contra a discriminação das crianças que crescem nos terreiros.

Saiba mais sobre a série

“Essa série é para dizer que o terreiro é um espaço que vai proteger a criança, é para fazer um contraponto com o ambiente escolar, lugar onde mais de se abusa das crianças de terreiro. Na sala de aula, as crianças enfrentam a brutalidade dos colegas e a arrogância do educador que não está preparado para tratar de forma laica a educação no Brasil”.

Assista ao documentário Intolerâncias da Fé

Convidado para expor em lugares como o Palácio da Secretária de Justiça e da Cidadania de São Paulo, Museu da Imagem e do Som (MIS) Campinas, Universidade Federal de Ouro Preto-Mariana/MG, Cipó mostra o quanto é importante enxergar o terreiro além das lentes do preconceito. Essa inspiração, ele levou para a série aFÉto, que fala da reconstrução dos laços afetivos.

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: “A deusa da fertilidade africana, Osun, alimenta seus filhos. Da série aFÉto” – Roger Cipó

-A série é um registro das emoções do povo de santo e da sua relação de amor com as divindades, que, por intermédio de seus descendentes, incorporam condição física para ampararem os filhos e as filhas de orixá. Esse trabalho faz uma leitura sensível dos ricos detalhes das cerimônias do candomblé”.

Em seu blog, que já tem mais de 820 mil acessos, ele compartilha notícias e produz matérias em torno das questões do direito da liberdade de crença e culto, educação, questões sociais ligadas ao cotidiano dos terreiros.

“Temos que respeitar a simbologia do terreiro. Nossos orixás são as nossas divindades que vêm de África e cuidam dos seus seguidores e dá afeto, dá carinho. É nesse espaço que a gente se fortalece na luta contra a intolerância religiosa e o racismo.

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“Orisá ama”. Da série aFÉto” – Roger Cipó

1 COMMENT

  1. Respeito o direito de todos, porque considero que “Somos todo Um.”
    Fico indignada com a intolerância e preconceito religioso. Aliás minha religião é um pouco de todas. Reuno e faço a minha. o bem e o mal existem , em toda parte. O importante é separar o joio do trigo.
    O trabalho do CIPÓ é uma missão e deve continuar.
    não á criminalização, ao preconceito e julgamento.