África do Sul: “Xenofobia e a retórica da inclusão e direitos humanos”, por Francis Nyamnjoh

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xenofobiaPor Francis Nyamnjoh, Por dentro da África

É inquietante ver os líderes políticos sul-africanos não se mobilizando para esclarecer que seus problemas não devem ser resolvidos a partir da lógica da exclusão e da culpabilização de estrangeiros com quem têm convivido, paradoxalmente, desde os primórdios da democracia de 1994. O que está acontecendo em Durban e KwaZulu-Natal desperta um monstro que os líderes e decisores políticos deveriam ter enterrado para sempre depois da violência xenófoba de 2008.

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Todo mundo na África do Sul deveria estar preocupado com as erupções em Durban que agora estão se espalhando para outras partes do país. A lógica de ser cada vez menor o círculo de inclusão, dita que a próxima amakwerekwere (termo sul-africano usado por pessoas negras para se referirem aos africanos estrangeiros) é sempre abaixo do óbvio, é impossível prever qual será o próximo grupo a ser excluído. Isto foi feito com evidência em uma canção do músico zulu, Mbongeni Ngema, lançada em maio de 2002, que foi proibida de ser veiculada.

Intitulada AmaNdiya, a canção controversa diz que se deveria “iniciar uma discussão construtiva que levaria a uma verdadeira reconciliação entre indianos e africanos”, e acusa os indianos sul-africanos de oportunismo e de se enriquecerem em detrimento dos negros. Na canção, Ngema continua a dizer que, se os indianos desejam ser levados a sério como pertencentes à África do Sul, deveriam apresentar maior patriotismo e abranger outros continentes. Está implícita em sua canção que os indianos têm risco de perder sua cidadania sul-africana e que deveriam se recusar a mudar os seus hábitos.

E, se quando os indianos se forem neste jogo bizarro de violência excludente e os problemas da África do Sul ainda não tiverem solução, quem será o próximo? Se a música Kill the Boer (Mate o Boer), a discussão sobre o tweet da líder Helen Zille sobre migrantes econômicos do Cabo Oriental no Cabo Ocidental e o movimento Rhodes Must Fall não forem embora, o seu palpite é tão bom quanto o meu. Qual seria a próxima “camada de grupos a ser excluída”?

Esta lógica regressiva e a culpabilização dos estrangeiros são bem capturadas pela diversidade da publicidade da rede de fast food Nando’s, em junho de 2012, por exemplo. O anúncio articula uma ideia de identidade e pertencimento à África do Sul, que é, ao mesmo tempo, consciente e ciente das histórias de mobilidades dos povos, e que permanece aberta a novas mobilidades.

Como outros anúncios da Nando’s, o anúncio da diversidade foi muito provocante e ambíguo, e compreensivamente provocou reações diversas, incluindo a proibição de ser transmitido pela SABC (televisão estatal sul-africana). O anúncio começa com negros africanos cruzando ilegalmente a fronteira com cerca de arame farpado na África do Sul. Há uma narração, e cada vez que a voz chama um nome, o grupo de pessoas que representa a identidade particular, é transformado em uma nuvem de fumaça, como se segue:

“Você sabe o que está errado com a África do Sul: todos vocês, estrangeiros”. Vocês todos devem voltar para onde vieram – vocês, camaroneses, congoleses, paquistaneses, somalis, ganenses e quenianos. E, é claro, que os nigerianos e vocês, europeus, também. Não vamos esquecer vocês, indianos e chineses! Mesmo vocês afrikaners! Voltem para a Suazilândia swazis, sothos para Lesotho, vendas, zulus (grupos étnicos da África do Sul), todo mundo!”

No final, apenas uma pessoa está de pé, um homem San que, armado com um arco e flecha e pronto para explorar o deserto, confronta a narração com estas palavras: “Eu não vou a lugar nenhum. Você nos encontrou aqui”! O anúncio termina com a locução: “Verdadeiros sul-africanos amam a diversidade. É por isso que nós introduzimos mais dois itens: Novas asas crocantes e o delicioso trinchado com batatas fritas.”

Ao meu ver, longe de promover a xenofobia, este anúncio é sobre identidades estreitas ou ideias de pertencimento. É contra as lógicas regressivas prevalentes e os menores círculos de ser um sul-africano em um mundo caracterizado pela mobilidade flexível de pessoas. Ele nos convida a contemplar o que é ser sul-africano.

Se a pertença é articulada em termos de exclusão rígida, onde todos, no entanto, têm mobilidade independentemente de onde eles nasceram ou de onde eles vivem e trabalham, a África do Sul só pode pertencer a um grupo de pessoas, aquelas que estavam lá antes de todos os outros: os San. Eles que são os filhos de boa-fé e filhas do solo sul-africano – os únicos autênticos sul-africanos.

As políticas de imigração e práticas do Estado sul-africano, bem como as atitudes xenófobas de alguns sul-africanos, em contradição com a retórica da inclusão, direitos humanos e laços para o resto da África, proliferam em pronunciamentos oficiais e discursos da sociedade civil.

No entanto, somos lembrados por etnografias da vida quotidiana que viver essa pertença é um trabalho permanente em andamento. É dever dos líderes sul-africanos (políticos, economistas, intelectuais e outros) e dos meios de comunicação fazerem isso bem e repetidamente para toda a gente. Uma boa liderança não vai dormir entre erupções.

Francis B Nyamnjoh é professor de antropologia social na Universidade de Cape Town. Francis disponibilizou ser artigo para o Por dentro da África