“A arte é a alma da sociedade. Precisamos dela para combater os preconceitos”, diz Sidney Cerqueira

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Quadro de Sidney Cerqueira

Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – Quando o dia amanhece, ele já está entre tintas e quadros, no meio de uma imensidão que conta histórias de pessoas, de lugares, de culturas! No mundo dos pincéis há 11 anos, Sidney Cerqueira, que cresceu na Guiné-Bissau, já perdeu a conta de quantos quadros pintou. Diante deles, o público vê linguagem, influências, tradição e aprende bastante sobre a Guiné-Bissau.

– Costumo dizer que a arte é a alma de qualquer sociedade. Precisamos dela para combater os problemas sociais, os preconceitos e para conscientizar a sociedade para as questões de responsabilidade social – disse o artista, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África.

Artista fará exposição em Brasília. Confira as datas aqui 

Ao longo dos anos, o pintor, que hoje vive em Lisboa, Portugal, passou por muitas fases da pintura. Atualmente, ele define o seu modelo de arte como realismo espontâneo usando a técnica acrílico sobre tela/óleo sobre tela.

Quadro de Sidney Cerqueira

A mais recente exposição DJUMBAI (que significa convívio em crioulo, língua nacional do país) ficará na Galeria do Centro Cultural do Bom Sucesso, em Alverca do Ribatejo, do dia 2 de abril ao dia 2 de maio.

– No trabalho, eu tento mostrar as minhas preocupações, desejos e, principalmente, contribuir para o meu país, Guiné-Bissau, de forma positiva – declarou Sidney, que tem como um dos objetivos divulgar a cultura da sua terra natal. Isso porque ele acredita que, infelizmente, a nova geração não conhece a história, o passado, e o quanto custou a liberdade para seus conterrâneos.

Guiné-Bissau como inspiração

guinea-bissauLocalizada na Costa Ocidental da África e banhada pelo Oceano Atlântico, a Guiné-Bissau foi a primeira colônia portuguesa na África a ter reconhecida a sua independência. Há 41 anos, em 24 de setembro de 1973, uma nova trajetória começava a ser construída para o país que está às vésperas das eleições.

Nesse período, acontecia, na antiga metrópole, a Revolução dos Cravos, um momento da história posterior ao golpe de Estado, de 25 de abril de 1974, que depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente desde 1933. A derrubada de Marcelo Caetano, sucessor de Antonio Salazar, representava o fim da ditadura.

Amílcar Cabral – Quadro de Sidney Cerqueira

Na Guiné-Bissau, antes da chegada dos portugueses e até o século XVII, grande parte do território integrava o reino de Gabu, que se tornou independente após o declínio do Império Mali (1230 – 1600). Além do Mali e da Guiné Bissau, o Império também envolvia o Senegal, Guiné, Burkina Faso e Gâmbia.

A colonização teve início em 1558, com a fundação da Vila de Cacheu. A princípio, somente as margens dos rios e o litoral foram exploradas. Mais tarde, no século XIX, os colonizadores partiram para o interior.

A Vila de Bissau foi fundada em 1697, como base militar. Posteriormente elevada à cidade, tornou-se a capital colonial, estatuto que manteve após a independência de Portugal.

Líderes, dança e música nas telas

Tina – Quadro de Sidney Cerqueira

– Eu sou um apaixonado pela cultura do país! Realmente, a dança preenche uma grande parte do meu trabalho. É impossível não gostar quando se vê as cores, o movimento dos trajes e dos corpos ao som dos variadíssimos instrumentos musicais, que mudam de etnia para etnia… É fantástico! – conta o artista que, em sua obra, homenageia xilofones, tambores e a tina, instrumento típico da Guiné-Bissau.

tina é um instrumento musical, um idiofone percutido, originário da Guiné-Bissau.  É tocado batendo com a palma da mão na cabaça, produzindo um som grave, de grande intensidade.

Já a dança,“badju di tina” (baile de tina em crioulo) marca os “momentos importantes da vida”: nascimento, iniciação e casamento. Apesar de a Guiné-Bissau tomar grande parte do trabalho, ele também pinta outros cenários.

– Com muitas culturas bonitas e histórias para contar, eu também passeio por outros países, outras tradições e uso as minhas telas para ir falando do que penso estar errado no mundo – destacou o guineense, que também vende seu trabalho pela internet.

A arte de Sidney faz críticas. Nesta, ele chama atenção para a falta de educação e saúde na Guiné-Bissau. Para ele, o quadro é um apelo para que o governo seja mais ativo e comece a investir na nova geração, já que as mais antigas estão corrompidas. O quadro se chama “HORA TCHIGA” (ESTÁ NA HORA). A criança aparece com os óculos do Amílcar Cabral, o “gorro” e farda militar usada por Amílcar.

O promotor cultural da Guiné-Bissau e ativista cultural Júlio António Aponto Té, que vive em São Paulo, está negociando a vinda das obras do artista para o Brasil. Coordenando o programa de rádio Africanidade, veiculado na Rádio da Universidade Federal de São Carlos, o mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista planeja fazer exposições em todo o território nacional.

Pintura Social

Quadro de Sidney Cerqueira

Sidney também usa a pintura como um canal para ajudar os mais desfavorecidos, ao amparo do projeto “Cores da Esperança”. A partir de um ateliê itinerante, que já esteve na Guiné-Bissau, Portugal, Cabo Verde e Senegal, ele educa, mostra uma nova arte e ajuda crianças carentes. Durante a exposição, os quadros pintados pelas crianças servem de moeda de troca para material didático.

O ideia do projeto nasceu em 2009, quando ele foi fazer uma exposição em São Vicente, Cabo Verde, e cedeu uma parte do que conseguiu vender para ajudar as instituições com crianças. Desde então, ele uniu arte e solidariedade.

Quadro de Sidney Cerqueira

– Só falar, só escrever, só pintar, não bastam. É preciso agir diretamente sobre o problema. É preciso que todos nós tenhamos um bocadinho de responsabilidade social, é preciso que derrubemos aquela muralha que todos criam à sua volta para começarmos a olhar para os lados”.

Para saber mais sobre o trabalho de Sidney Cerqueira, clique aqui 

Por dentro da África