Angolanas reagem à institucionalização da violência contra a mulher na nova lei do aborto

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Foto de Onu Mulheres em Angola

Por Susan de Oliveira, Por dentro da África

No próximo dia 23 de março irá à votação em sessão plenária, na Assembleia Nacional de Angola, o novo código penal que substituirá o que vigora desde 1886. Na última semana, produziram-se inúmeras discussões sobre um aspecto que longe de atualizar o código penal, representa um retrocesso imenso em termos de direitos humanos, direitos civis e nomeadamente, de direitos das mulheres. Trata-se da criminalização do aborto em toda e qualquer circunstância, uma “proibição absoluta”, segundo disse o ministro da Justiça e Direitos Humanos, Rui Mangueira, após a aprovação preliminar do texto no dia 11 de março.

Inicialmente a proposta era de que a punição para a interrupção voluntária da gravidez tivesse em consideração ao menos a manutenção como exceções dos casos mais contundentes,como risco de vida da mulher, estupro e má formação do feto. No código em vigor, de 1886, duas situações estão excluídas da criminalização: a má formação do feto e o estupro. Entretanto a redação final do novo código penal acaba por proibir o aborto sem atenuantes ou restrições.

Com o novo código, a mulher que abortar em qualquer circunstância estará sujeita a uma pena de 4 a 10 anos de prisão. Segundo Vergílio de Fontes Pereira, líder do MPLA, o novo código penal expressa a “Política de Estado em relação ao aborto”, mesmo tendo considerado a possibilidade da retomada da discussão noutros termos. A bancada do MPLA, com 125 votos, foi inteiramente favorável à aprovação desta especialidade, enquanto que a UNITA, a CASA-CE e o PRS deram, ao todo, 35 votos de abstenção e não houve votos contrários. A deputada Mihaela Weba, da UNITA, solicitou a realização de um referendo público à matéria.

Esta radicalização da punição da mulher que realizar um aborto é objeto de debate e mobilização do conjunto das mulheres angolanas em torno da questão que norteia essa Lei: A que serve uma Lei que criminaliza totalmente o aborto, se não há suficientes políticas de saúde da mulher, nem políticas de saúde materno-infantil, nem segurança reprodutiva e nem apoio ao planejamento familiar. Seguramente, um dos aspectos mais cruéis desta Lei é que ela serve para criminalizar pesadamente as mulheres pobres que não têm acesso a nenhuma dessas alternativas e colocam suas vidas em risco em procedimentos clandestinos depois de já terem sido vítimas de uma série de violações que vão desde a falta dos direitos básicos à educação e saúde até as violências sexuais.

Leia também: Legalização do aborto em Moçambique

Serve de fato também para desviar a responsabilidade do Estado de garantir o direito das mulheres de decidirem sobre o próprio corpo,pois é uma Lei extremamente machista que coloca o corpo de cada mulher sob a tutela e a vigilância do Estado e a responsabiliza individualmente pelos efeitos perversos de toda uma sociedade machista e excludente. Também tem o poder de amenizar a falta de programas e políticas educacionais e sanitárias efetivas que possam atuar preventivamente à ocorrência de gravidez indesejada.

Segundo informação do ministro da saúde, Luis Gomes Sambo, à Agência Angola Press, em 08/02/17, a mortalidade materna em Angola atualmente é de 450 mortes para cada 100 mil mulheres e a mortalidade neo-natal é de 44 a cada 1000 recém nascidos. A médica Natercia de Almeida, durante a apresentação do tema “Educação sexual dos jovens e gravidez não desejada”, no XI Congresso Internacional dos Médicos em Angola, realizado em janeiro de 2016,informou que do número total da mortalidade materna,cerca de 15% se deve a abortos clandestinos. Ela elencou dois fatores responsáveis por este fato: o alto índice de gravidez não desejada devido à falta de informação da população, particularmente dos adolescentes e jovens (mulheres e homens), e a vigência de uma legislação altamente restritiva do aborto (Agência Angola Press, 27/01/16).

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Um ano depois desta declaração em que a questão da legalização do aborto parecia encontrar todos os respaldos médicos e sanitários para um consenso, em 2017, aLei de 1886, que já era altamente restritiva, pode ser banida para dar lugar a uma Lei ainda mais retrógrada e unicamente punitivista.

As reações a essa nova Lei que já nasce ultrapassada e significa uma institucionalização da violência contra as mulheres, sobretudo as mulheres pobres, foram imediatas e os movimentos feministas angolanos lançaram uma intensa campanha de informação e protesto que visa mobilizar a sociedade contra mais esse ataque aos direitos humanos em Angola.

Duas manifestações estão previstas para acontecerem no próximo sábado, dia 18 de março, em Luanda. O Ato “Chega de Mulheres Mortas por Abortos Clandestinos”, terá inicio às 10h da manhã, no Cemitério de Santa Ana, em homenagem às mulheres mortas em decorrência dos abortos clandestinos. No período da tarde, às 14h, haverá a “Marcha das Mulheres pela Despenalização do Aborto”, que terá lugar no Largo das Heroínas, “um marco simbólico da resistência e da luta pela emancipação e dignidade das mulheres angolanas”, conforme o documento de informação sobre a Marcha apresentado às autoridades Luanda.

O coletivo Ondjango Feminista lançou uma nota de parceria à Marcha das Mulheres onde acusa a nova Lei de inconstitucionalidade. Segundo a nota:

“Se aprovado sem as provisões com as exceções, o Código penal será inconstitucional, dado que em 2007 a Assembleia Nacional da República de Angola, aprovou para adesão, o protocolo à Carta de Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, relativo aos Direitos da Mulher em África, no qual consta alínea c do n.º 2 do artigo 14º o seguinte: ‘Os Estados Partes devem tomar medidas apropriadas para: c) proteger os direitos de reprodução da mulher, particularmente autorizando abortos médicos em casos de agressão sexual, violação, incesto e quando a gravidez põe em risco a saúde mental e psíquica da mãe ou do feto’. Ao aderir a este protocolo, Angola adota na íntegra todas as suas disposições como parte integrante da Constituição da República, conforme estabelece o nº2 do artigo 26 da CRA. Como consequência, a retirada das exceções, representa uma inconstitucionalidade.”

No facebook há duas páginas onde se pode ler a íntegra da nota e também as informações sobre as manifestações:

https://m.facebook.com/MMDA2017/

https://www.facebook.com/events/970177363112274/?ti=icl