“A música é um território muito vasto, não tem fronteira”, diz Manu Dibango

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Manu Dibango em show - 2016 - Divulgação
Manu Dibango em show – 2016 – Divulgação

Natalia da Luz, Por dentro da África

Em Camarões, ele construiu uma música repleta de influências, que ele vem absorvendo em décadas de estrada. Aos 84 anos, Manu Dibango é dono de um talento reconhecido e premiado, de uma música que ele experimenta a partir da liberdade.

“Eu não gosto de classificar a música. Pessoas dizem que é jazz, jazz africano, soul africano, mas eu digo que é afro alguma coisa… Há muitas influências que chegam até mim. A música não tem fronteira”, disse Dibango, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África. Assista ao vídeo abaixo! 

Com uma energia surpreendente, às 14h ele já havia caminhado alguns quilômetros na Praia de Copacabana e comandado um programa da Rádio França Internacional. Antes do show (ele ainda tinha um concerto para fazer), Dibango recebeu o Por dentro da África.

Aqui no Brasil, onde ele esteve algumas vezes, o saxofonista lembrou da diversidade da música brasileira, um entrelaço de culturas e referências, inclusive do continente africano. Nascido do outro lado do Atlântico, o músico conta que cresceu num vasto território com múltiplas fontes artísticas e que interagiu além dos limites geográficos.

“Naturalmente, eu sou africano, venho de Camarões, mas a música é um território muito vasto para mim. Atravessa mar e terra”, conta o músico, que coleciona cerca de 30 álbuns em sua carreira.

Chamado de África em miniatura por conta da diversidade geológica e cultural, o país faz fronteiras com Nigéria, Chade, República Centro-Africana, Guiné Equatorial, Gabão e República do Congo. Colonizada pela França e Inglaterra, a terra de Dibango tem mais de 200 grupos étnicos.

Um dos maiores sucessos dele é o afrobeat “Soul Makossa”, de 1972. Pergunto a ele como Soul Makossa mudou a sua vida. Ele responde dando o crédito para o público.

“Soul Makossa mudou minha vida porque foi um hit. Não fui eu quem fiz o hit, foi o público. Eu fui ao estúdio, registrei a letra, mas teve a magia do hit porque o público a elegeu”, disse.

O hit de Dibango tem essência do afrobeat, estilo musical criado pelo nigeriano Fela Kutti. Fela levou o afrobeat para o mundo e influenciou não só nigerianos, mas gente de todo canto do mundo. Não só na música, mas em seus posicionamentos políticos, Fela era conhecido por ser um libertário.

Fela Kuti - Divulgação
Fela Kuti – Divulgação

Nessa construção do afrobeat, que ganhou o mundo com Fela, Dibango lembra do reconhecimento a Tony Allen. Allen foi tocar com Fela em 1964 e logo passou a fazer parte da banda Kuti’s “Koola Lobitos” .

“Fela não estava sozinho quando fez tudo aquilo. As pessoas esquecem da pessoa atrás da bateria… Foi o Tony que trouxe a batida”, destacou Dibango. Com 77 anos, Tony vive hoje em Paris e teve sua história contada no documentário Tony Allen: Master Drummer of Afrobeat, lançado em 2013.

Tony Allen - Foto de Bernard Benant
Tony Allen – Foto de Bernard Benant

Na essência da música do camaronês, há lembranças de Fela, de Ray Charles (pianista estadunidense), Louis Armstrong (trompetista estadunidense), Hugh Masakela (saxofonista sul-africano)… Ele diz que é muita gente que molda, contorna o seu trabalho, que transborda vitalidade, energia.

“Eu sou um músico de Camarões e sou livre. Eu não estou em uma cela. Posso tocar o que quiser. Quando você é músico e quer tocar música local, eu acho ótimo, mas seja livre para as outras”.

Dibango é um patrimônio para a música mundial. Ele é um representante africano respeitado que contribui para fortalecer uma ideia mais atenta e enriquecedora sobre a África. Com a tecnologia, ele acredita que muitas barreiras são quebradas e estereótipos desconstruídos.

A class at Monrovia Demonstration School in Monrovia - Foto - UNICEF
A class at Monrovia Demonstration School in Monrovia – Foto – UNICEF

-Se você tem curiosidade, é mais fácil. Você pode escolher a informação que quer buscar. Há 10 anos, só falavam de coisas negativas sobre a África, mas o acesso à informação mudou esse cenário. As pessoas estão mudando, e é preciso aprender sobre o outro. Talvez o nosso futuro venha através do continente africano.