“A arte tem que estar na rua para conectar as pessoas”, diz Alexandre Keto

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Alexandre Keto

Com obras espalhadas por 15 países, brasileiro valoriza a cultura africana

São Paulo – Ele conheceu o grafite a partir de um projeto social embalado pela cultura hip hop. No contato com a arte de rua, encontrou o canal de comunicação perfeito para disseminar suas criações e se conectar com a diáspora africana. Em pouco tempo, o paulista Alexandre Keto construiu a sua identidade no grafite com obras espalhadas por 15 países como Gana, Alemanha, Estados Unidos e Senegal.

– Sou de uma família do samba, cresci ouvindo cantigas de roda, histórias sobre os orixás… A africanidade sempre esteve muito presente. Eu só não sabia de qual parte ou lado da África estava a minha origem – conta Keto, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África.

Alexandre Keto

O interesse pela África começou na infância, mas foi há pouco tempo que a África passou a direcionar o trabalho dele. O artista trabalhava em uma ONG em São Paulo quando recebeu o convite para participar do Fórum Social Mundial de Dakar (Senegal), em 2011. A partir desse encontro, a África se tornou inspiração para os traços dele.

-Essa viagem foi muito importante porque eu pude pisar, pude ver e interagir com as pessoas. Eu recebi um sinal de que eu teria que fazer esse trabalho que eu faço até hoje com personagens africanos, valorizando a nossa matriz africana – afirmou o artista de 29 anos, que já esteve em cinco países africanos (Senegal, Gana, Mauritânia, África do Sul e Benin).

Desde a primeira viagem ao continente africano, Keto reconhece que seu aprendizado é crescente. A curiosidade, o encanto pela História, pelas muitas histórias da África movem o jovem fazendo com que suas criações sejam facilmente identificadas.

Aprendendo com a África 

Alexandre Keto no Benin

-As pessoas têm a ideia de ir para a África para ajudar, mas eu vou para aprender. Para mim, essas informações, todo esse contato refletem no meu traço, nas cores, nas posições dos meus personagens. Isso funciona como um laboratório para eu refletir, criar e transformar.

Alexandre Keto

Keto afirma que o seu trabalho é muito sensitivo, que os personagens aconteceram. Ele não decidiu fazer uma personagem mulher. Simplesmente, saiu uma mulher, e isso está diretamente ligado à vida pessoal do artista, que demonstra muito afeto pela mãe enquanto conversa. Essa alusão à mulher também está vinculada ao fato de se tratar do continente-mãe.

-Quando comecei a fazer os personagens, as pessoas não entendiam muito bem. Hoje, com um número maior de arte africana e de africanos morando aqui no Brasil, as pessoas podem assimilar melhor o meu trabalho. Meus personagens simbolizam a diáspora africana, que está em todo o mundo – conta Keto, que cria e reproduz personagens nos países que visita.

Sempre que cruza o Atlântico, ele leva para a África as influências africanas que muitos artistas desconhecem. Keto lembra que, quando foi ao Senegal pela primeira vez, ele percebeu que os artistas de lá usavam como correspondência o grafite produzido nos Estados Unidos. Quando mostrou os rostos e corpos de influência africana, eles ficaram impressionados.

-Eu senti que isso foi um processo de autodescoberta; aí, quando eu voltei para lá, percebi que já havia muito mais gente fazendo rostos africanos! Fiquei feliz porque é uma maneira de valorizar a cultura.

Grafite como manifestação social e política 

Alexandre Keto

Grafite é o nome dado às manifestações artísticas feitas em paredes e muros. Hoje, é uma importante demonstração de arte urbana, é uma plataforma para as artes visuais com associação social e política. Em diferentes contextos, tipos e estilos, os grafites são considerados obras de arte, associados, muitas vezes, à cultura hip-hop.

Na Tunísia, norte da África, o grafite tomou as ruas após os movimentos da Primavera Árabe. Em dezembro de 2010, Mohamed Bouazizi, o jovem tunisiano que ateou fogo ao próprio corpo em sinal de protesto contra a corrupção e as condições de vida em seu país, acendeu a revolta no norte do continente africano. Protestos tomaram conta da Tunísia, levando o presidente Zine el-Abdine Ben Ali (no poder desde 1987) a fugir para a Arábia Saudita, dez dias depois. Após a Tunísia, o Egito e a Líbia também vivenciaram – em proporções diferentes – a luta pela democracia e a deposição de seus antigos presidentes.

Saiba mais: Na Tunísia, acendia a fagulha da Primavera Árabe

Alexandre Keto

Atualmente, quase 6 anos após a faísca da Primavera Árabe ser acesa, a situação política e social do Egito e Líbia são crônicas, com denúncias de violações contra os direitos humanos. A Tunísia, apesar das muitas fragilidades, experimenta um cenário menos pessimista. Por lá, a cultura do grafite é muito forte. Em 2014, por exemplo, a ilha de Djerba recebeu 150 visitantes de 30 países para participar do projeto Dierbahood, uma exibição de arte de rua que usou as paredes e ruínas do vilarejo como galeria de arte.

Alexandre Keto

O trabalho de Keto tem, nitidamente, uma preocupação social. No mês de março, por exemplo, ele expôs algumas telas como parte de uma iniciativa no Matilha Cultural, em São Paulo, junto da exibição “Affliction – O Ebola na África Ocidental”, documentário do diretor belga Peter Casaer.

O documentário conta um pouco sobre a epidemia de ebola a partir do ponto de vista de populações atingidas, líderes comunitários, profissionais humanitários e sobreviventes. O filme destaca o trabalho das equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) que participaram do combate à doença nos países mais atingidos: Guiné Conacri, Libéria e Serra Leoa. Na ocasião, Keto falou de suas viagens ao continente, vinculadas a projetos sociais, e criou peças inspiradas no filme com fotografias feitas por ele na África Ocidental.

Alexandre Keto

FuturoCom convites para ministrar oficinas e expor em diferentes partes do mundo, Keto permanece no caminho de valorização da África. No futuro, ele quer ter uma galeria para promover a arte africana, onde artistas do continente possam mostrar a sua arte para outras pessoas.

-O meu trabalho artístico está ligado ao meu trabalho social. O grafite tem um papel importante no momento mundial porque está na rua e ajuda a democratizar a arte, ele não censura, não restringe. Eu acredito na arte para conectar, transformar as realidades.