Revolução: militares mostram sua força ante Irmandade Muçulmana

Protestos no Cairo - Foto: Lyaily Abdul AzizNatalia da Luz – Por dentro da África

Rio – Criado no Egito em 1928 como um movimento de Pan-Islamismo, a Irmandade Muçulmana participou ativamente das transformações políticas e das revoluções que depuseram a monarquia do rei Faruk e das ditaduras de Nasser e Mubarak, ambos militares. Medindo força com as Forças Armadas, que sempre estiveram no poder, o partido que elegera seu primeiro representante para a presidência do país tenta reagir debaixo de uma nuvem de incertezas sobre o seu próprio futuro.

– Eu não acho que os militares perderam muito desde que Mohamed Mursi assumiu o poder. O militar no Egito manteve seu status de Estado em Estado, desde a década de 1950. Em 2012, depois de eleito, Mursi só queimou a velha guarda dos generais representados por Marshall Tantawi, mas permitiu uma nova geração de se levantar. O primeiro representante desta nova geração é o atual General Abdel Fattah al-Sissi – diz em entrevista exclusiva ao Por dentro da África o egípcio Jean Marcou, diretor de Relações Internacionais de Grenoble, na França.

Protestos no cairo - Foto: Lyaily Abdul AzizCronologia das revoluções

Em 1952, o Rei Faruk renunciou (destronado por um grupo de jovens militares do qual Nasser fazia parte). Em 1953, o também militar Muhammad Naguib, nascido no Sudão, instituiu a República no país tornando-se o primeiro presidente do Egito. Desentendimentos com Nasser levaram à sua expulsão forçada do cargo e a 18 anos de prisão. Em 1956, a Revolução Egípcia transformou o coronel Nasser em um importante líder, e ele permaneceu no poder de 1956 até a sua morte (provocada por um ataque cardíaco), em 1970.

Para seus simpatizantes, Nasser foi um líder que reformou o país e restabeleceu o orgulho árabe. Eles atestam que, sob sua liderança, os egípcios tiveram acesso sem precedentes à habitação, educação, serviços de saúde e nutrição. Após a sua morte, Anwar El Sadat (militar que também ajudou a derrubar o Rei Faruk) se tornou o terceiro presidente do Egito –  de 1970 até seu assassinato por fundamentalistas em 6 de outubro de 1981. Em seus 11 anos como presidente, ele mudou a direção do Egito, instituindo o sistema multipartidário. Pela sua participação ativa no Tratado Egito-Israel, ele venceu o Prêmio Nobel da Paz de 1978.

Protestos no Cairo - Foto: Lyaily Abdul AzizEm seguida, Sufi Abu Taleb, que atuara como presidente da Assembléia do Povo (1978-1983), assumiu as funções de chefe de Estado interino por oito dias, até a adesão de Hosni Mubarak, deposto em fevereiro de 2011 após 30 anos de ditadura.

Nas primeiras eleições democráticas do Egito, foi eleito Mohamed Mursi, representante da Irmandade Muçulmana, que descreve como seus princípios: 1- a introdução de Sharia (lei islâmica) como base para controlar os assuntos do Estado e da sociedade, 2 – trabalhar para unificar os países islâmicos e os estados, e 3 – liberá-los do imperialismo estrangeiro.

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No final da Segunda Guerra Mundial, a Irmandade, que começou como uma organização social e religiosa defendendo a educação e condições dignas de saúde, reunia mais de dois milhões de membros.

Irmandade e interferência militar 

– Hoje, a Irmandade Muçulmana está rejeitando a interferência militar porque aceitar isso significaria que os “Brothers” fracassaram em governar o país. Como eles estão resistindo e tentando se opor ao golpe, os militares terão que lutar contra os islamitas e imediatamente prender alguns de seus principais líderes incluindo Mohamed Mursi – analisa Jean Marcou.

A Irmandade Muçulmana é financiada pelas contribuições dos seus membros. Algumas dessas contribuições vêm da Arábia Saudita e de outros países do mundo árabe, ricos em petróleo. O grupo (a Irmandade) teve ação relevante na maioria dos conflitos pró-islâmicos, desde as guerras árabes-israelitas, a guerra de independência argelina, até os recentes conflitos no Afeganistão e Caxemira.

Enquanto Mohammed Mursi é mantido preso, Adli Mansour, que assumiu o poder, prometeu zelar pelos valores da revolução popular e “por fim à ideia de adorar um líder e fazer dele um semideus.” Apenas ontem, os confrontos entre partidários e opositores de Mursi deixaram cerca de 50  mortos e centenas de feridos. Diante do caos, Adly Mansour, decretou que a organização de eleições legislativas será iniciada antes do final do ano.

Jihadistas e exército 

Protestos no Cairo - Foto: Lyaily Abdul AzizO confronto entre o exército e os jihadistas é antigo. Em 1981, os jihadistas assassinaram o presidente Sadat, e o vice-presidente Mubarak só sobreviveu porque uma granada lançada não explodiu. Os anos 90 foram marcados por essa tensão. Em 1997, radicais egípcios assassinaram 59 turistas nos templos de Luxor.

Jean acredita que mediante a elaboração de uma nova Constituição e da nomeação de seus apoiadores em posições-chave no topo do Estado, Mursi deu a impressão de que ele estava procurando  aumentar seus poderes e criar um novo sistema político e social.

– No momento, é muito difícil ver que as forças e os políticos vão surgir e governar o país. O militar anunciou a elaboração de uma nova Constituição. Será a terceira desde o início da Revolução de 25 de janeiro de 2011 … Provavelmente, o processo terá uma nova Constituição e eleições gerais – conta.

Protestos no Cairo - Foto: Lyaily Abdul AzizO professor afirma que os militares teriam preferido evitar tal repressão que possa prejudicar a imagem do movimento que ganhou as ruas  em de 30 de junho. Ontem, no Cairo, as forças militares abriram fogo contra manifestantes pró-Morsi que tentam marchar ao quartel.

– Parece que a Irmandade Muçulmana vai decidir resistir, não ser flexível. Isso pode levar a conflitos duros dentro da sociedade egípcia. Para a “Irmandade”, essa situação poderia levá-la para um novo período no submundo (clandestinidade).

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