“Mães Negras”, por Ademir Barros dos Santos

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Vírginia Yunes - Guiné Bissau
Foto de Vírginia Yunes – Guiné Bissau

Ademir Barros dos Santos, Por dentro da África

Sorocaba – Parece incrível, mas a tradição africana, especialmente nas sociedades patriarcais, cria um tipo de mulher que dificilmente se encontra fora de lá: a mãe social; naquelas sociedades, quando se pergunta à mulher quantos filhos ela tem, a resposta é quase imediata:

“Dei tantos filhos a meu marido” responde ela!

Estranho, mas é verdade: afinal, a sociedade pode ser patriarcal; mas a mãe, é mãe social.

Em outras palavras: por lá, todas as mães são mães de todos os filhos, o que é facilitado pela compreensão de que a autoridade é diretamente proporcional à idade; como decorrência, além da esposa mais antiga escolher e comandar todas as outras, enquanto existir uma única mãe, não existirá a orfandade!

Entretanto, por que falar, aqui, de mães africanas? Simplesmente porque, embora não se tenha, no Brasil, o mesmo sistema social, as mães negras brasileiras ainda mantêm, consigo, o mesmo carinho e cuidado por todos os filhos. Seus ou alheios.

Quem nunca ouviu aquela música em que se pergunta: “Olorum, quem mandou essa filha de Oxum, tomar conta da gente e de tudo o que há”?

Pois é: se é certo que todos sabem que esta letra, linda, homenageia Mãe Menininha, saudosa cuidadora do candomblé do Gantois, também é preciso entender que esta Mãe – com maiúscula – e todas as demais Mães do candomblé, não são, apenas, “mães-de-santo”! Isto porque, além de cuidadoras de seus orixás, são elas, principalmente, cuidadoras de variados “filhos” de seus diversos orixás – exatamente como o costume africano impõe e determina.

Foto: João Branco, Angola

Mas, não é só nos candomblés, onde veneráveis senhoras, até por dever de ofício, acolhem desvalidos, que tais mães acolhedoras podem ser encontradas facilmente: basta dar uma volta por qualquer periferia socialmente fragilizada, e lá estão, os negros carentes, lambendo o leite social que escorre do colo de suas mães de adoção; então, cuidados que são por mães alheias, adotam eles suas novas mães, que se tornam suas, mais por devoção que por dever ou vocação!

Há mais: pelas periferias encontram-se, ainda e em profusão, mães de mães, que se tornam mães de colunas de netos, quer porque as filhas não têm com quem deixar os pimpolhos, quer porque há genros tirando férias em alguma colônia penal; quer porque as filhas não podem sustentar, sozinhas, as próprias proles, quer porque certas proles, desvanecidas em famílias decompostas, preferem, a qualquer outro colo, carinho ou regaço, o colo, carinho e regaço de envelhecidas senhoras, mesmo que um tanto alheias a suas mães naturais.

Foto: Mamaye-Malawi
Foto: Mamaye-Malawi

Mães cuidadoras, nossas negras mães! Mais que mães, veneráveis mulheres, que ultrapassam, de muito, a imagem, petrificada em estátuas, que sempre as representam como escravas que amamentam os filhos de seus senhores não africanos, até torná-los tão senhores e tão cruéis com seus neoafricanos, quanto foram seus pais…

Mães cuidadoras, nossas mães negras! Que adotam como seu, mesmo quando ao largo da lei, qualquer filho desvalido que atravesse suas portas maternais…

Adoráveis senhoras Oxuns, nossas mães negras, que nunca nos negam o amor e a água de que carecem nossa sede e nossa alma.

Velhas Iemanjás, nossas cuidadoras mães negras; que insistem de fazer de nós, meros mortais, seus onipotentes e onipresentes orixás…

Por dentro da África 

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