‘Angola tem material humano para ser potência’, diz Beto Bianchi, novo técnico da seleção de futebol

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Beto Bianchi, novo técnico da seleção de futebol – Arquivo Pessoal

Por André Carlos Zorzi, Por dentro da África

Atualmente, a seleção angolana de futebol ocupa a 147ª posição no ranking da FIFA, uma das dez piores colocadas da África. Sem se classificar à Copa Africana de Nações (CAN) desde 2013 e à Copa do Mundo desde 2006, a equipe não tem inspirado muita confiança na torcida nos últimos tempos.

Com a missão de reverter esse quadro e comandar os Palancas Negras na busca por uma vaga nos principais torneios do continente, o brasileiro Beto Bianchi assumiu o desafio de se tornar o técnico da equipe.

Seus primeiros jogos à frente da equipe nacional ocorreram recentemente, em amistosos, ambos fora de casa: derrota para Moçambique, por 2 x 0, e empate diante da África do Sul, por 0 x 0, resultado que, de acordo com ele, deixou os torcedores angolanos otimistas: “Pensavam que seríamos goleados”.

Pouco conhecido no Brasil, Bianchi jogou em clubes menores do país, como São Bento, VOCEM-SP e Naviraiense-MS, além de ter passado pelas categorias de base de Portuguesa e Guarani.

Há 26 anos, saiu de solo brasileiro para ter experiências na China e, principalmente, na Espanha, onde se consolidou também como treinador e obteve a licença UEFA Pro. Fora das quatro linhas, também acumulou passagens por equipes da Bélgica, Jordânia, Indonésia e Angola.

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Beto Bianchi, novo técnico da seleção de futebol – Equipe na Africa do Sul

Em entrevista ao Por Dentro da África, Beto falou sobre as expectativas de sua ‘jornada dupla’ na profissão: além da seleção, é simultaneamente treinador do Petro de Luanda, clube que treina desde o ano passado, quando sagrou-se vice-campeão nacional.

“Angola tem material humano para ser uma das potências do futebol africano”, destaca, acreditando que o país peca principalmente nas categorias de base: “Chegam ao nível profissional sem uma boa estrutura de formação, e isso atrasa o desenvolvimento do futebol no país”.

Bianchi também define como uma “decisão acertada” o aumento de 32 para 48 equipes na Copa do Mundo proposto pela FIFA a partir de 2026, e promete ir com tudo para classificar Angola para a próxima edição da Copa Africana de Nações, que será disputada no Camarões, em 2019.

sonanfol“Somos conscientes de que Burkina Faso está muito forte, e os outros rivais [Botsuana e Mauritânia] seriam mais do nosso nível”, avalia sobre o grupo das eliminatórias.

Confira a entrevista completa abaixo!

Por Dentro da África: Atualmente, você dirige a seleção de Angola e o Petro de Luanda. Quais são as principais diferenças entre um trabalho deste tipo e o de um treinador que precise de preocupar apenas com a seleção?

Beto: Essa foi a condição que o meu clube colocou à federação, e as duas partes entraram em um acordo. Antes de aceitar, analisei muito os prós e os contras, e aceitei porque vi que não ia prejudicar a nenhum lado.

Somente pode trazer mais pressão para mim. Mas, como já estou acostumado com esse mundo, aceito o desafio. Será uma grande experiência! Me ajudará a crescer mais ainda como treinador.

*Em sua estreia, a seleção angolana perdeu por 2 x 0 para Moçambique e empatou em 0 x 0 com a África do Sul. Neste curto período, você já consegue identificar quais são os pontos fortes do time, e quais precisam ser corrigidos?

Antes do jogo com Moçambique, nós só pudemos fazer dois treinos. Era de se esperar uma falta de entrosamento, porque era o primeiro contato que tivemos.

Depois, tivemos o segundo jogo contra a potente África do Sul, os ‘Bafana Bafana’. Neste jogo, já pude perceber uma notável melhoria em relação ao conjunto. Os conceitos táticos que estamos mudando na seleção já foram absorvidos pelo grupo.

São nestes conceitos que estamos trabalhando muito, porque são a principal debilidade do futebol africano, e me arriscaria dizer que no Brasil também existe este problema, em menor dimensão. Comparando com a Europa, o futebol brasileiro está muito atrasado, com a diferença que o jogador brasileiro tem uma técnica especial, difícil de encontrar em outras partes do mundo. Seria ideal unir a disciplina tática europeia com a qualidade brasileira. Isso não iria influir na criatividade do jogador brasileiro como muitos dizem.

Voltando ao jogo contra a África do Sul, conseguimos um bom empate por 0 x 0, e o mais importante é que já jogamos como uma equipe, com boa posse de bola, com circulações rápidas e muita pressão sobre o rival.

Inclusive, chegamos mais vezes na área rival e chutamos mais vezes que eles a gol. Foi um bom teste que nos permite sonhar em muitas melhorias no futuro, tendo mais tempo de treinamento.

*Entre 2006 e 2013 a seleção angolana viveu seu auge: disputou uma Copa do Mundo e cinco edições seguidas da CAN. Acredita que isso gera um nível de cobrança acima do normal para quem ocupa o cargo de treinador desde então?*

Penso que não, porque depois destas temporadas destacadas, vieram outras muito ruins, então a margem de melhora é muito grande.

Para se ter uma ideia, o empate contra a África do Sul gerou aqui no país muito otimismo, porque ninguém acreditava mais na seleção, e pensavam que seríamos goleados.

*Qual análise você faz do grupo em que Angola foi sorteada na eliminatória para a próxima CAN? A expectativa é brigar pela liderança com a Burkina Faso, ou tentar uma das vagas entre os três melhores segundos colocados contra Botsuana e Mauritânia?

O importante para a nossa seleção seria a classificação, em quaisquer das possibilidades existentes. Logicamente, vamos tentar classificar pela via mais fácil e rápida, mas somos conscientes de que Burkina Faso está muito forte, e os outros rivais seriam mais do nosso nível.

Eu acho que, com mais tempo de treinamento, vamos crescer bastante, porque a margem de melhora é grande.

Angola não vence uma partida fora de casa em eliminatórias desde 2011 (2 x 0 na Guiné-Bissau).

*A estreia na qualificatória para o CAN-2019 será diante da Burkina Faso, time mais forte do grupo, justamente fora de casa Um empate já poderá ser considerado bom resultado?

Sempre somar é importante no futebol, ainda mais contra uma boa seleção como a Burkina Faso, mas vamos com a intenção de buscar uma vitória.

Com poucos dias de treinamento, demonstramos contra a África do Sul que temos condições de jogar um bom futebol, com muita disciplina tática. É neste sentido que temos que marcar a diferença contra as seleções mais potentes, com mais qualidade individual.

*Sob seu comando, o veterano Manucho voltou a ser convocado, após anos afastado. Houve alguma circunstância para que isso fosse possível?

Nao houve nada especial. Somente achei que, por experiência e por ter jogado muitos anos na liga espanhola [atualmente o jogador está no Rayo Vallecano] ele poderia transmitir mais experiência ao grupo, tendo em conta que a média de idade da nossa seleção é de 23, 24 anos. É uma seleção com jogadores bem jovens!

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*Como surgiu o convite para treinar a seleção de Angola?

O convite da seleção aconteceu porque entrou uma nova direção na federação angolana de futebol (FAF). Esse novo grupo tem como objetivo mudar a dinâmica do futebol do país, principalmente em termos de seriedade, e de um futebol mais dinâmico. Estudaram vários perfis e fui escolhido.

*Tendo trabalhado em países com menor tradição no futebol, qual sua opinião sobre o aumento do número de vagas na Copa do Mundo planejado pela FIFA (48 seleções a partir de 2026)?

É uma decisão acertada, porque vai permitir, ou pelo menos dar mais oportunidades, aos países com menor potencial a nível de seleções, de poder brigar por uma vaga em um mundial.

*Em julho deste ano Angola iniciará as eliminatórias por uma vaga no CHAN* que será disputado ano que vem, no Quênia. Você também comandará a equipe no torneio, ou haverá outro encarregado?

O meu compromisso com a seleção é justamente até o final da classificação para o CHAN. Foi uma das condições que o meu clube, Petro de Luanda, exigiu para que eu pudesse ir também com a seleção.

Neste torneio nós teremos maiores possibilidades por vários motivos. Os principais são: a nossa competição local, o Girabola, é bem exigente, e isso faz com que os nossos jogadores sejam bem competitivos. O outro motivo é que, na seleção atual, 90% dos jogadores convocados contra a África do Sul estão jogando o Girabola.

A base principal não é de jogadores que estão fora da Angola, coisa que não acontece com a maioria dos outros países que estarão no CHAN.

*Nota do autor: CHAN é o torneio disputado nos mesmos moldes da CAN (Copa Africana de Nações), porém, as seleções só podem inscrever atletas que atuem na liga nacional.

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Jogo entre Angola e Africa do Sul

*O Petro não vence o Girabola desde 2009. Há muita pressão por um novo título? O que faltou à equipe para poder ter sido campeã ano passado? Quais suas expectativas para o clube este ano?

O Petro é um clube grande do país. Sempre existe pressão para ganhar todos os jogos e, como não, o título. Mas, desde a temporada passada, a política do clube mudou muito. O novo presidente, Sr. Tomás Faria, está fazendo uma reestruturação econômica no clube para ser o mais saneado do país.

Isso faz com que as contratações sejam mínimas e não invistam em jogadores de muito nível, porque são caros. Agora estamos apostando 100% nos jogadores jovens da casa, na formação.

O Petro é o único clube do Girabola que jogou toda a temporada com mais de 60% de jogadores da casa no onze inicial nos jogos. Esse foi um dos fatores que influiu um pouco na não conquista do título.

Mas foi uma surpresa que o Petro chegasse até a penúltima rodada com opções de ser campeão. Só ficamos a dois pontos do todo poderoso D’agosto! Deixamos para trás muitos clubes com melhor plantel, e que gastaram muito mais dinheiro. Foi um êxito. Sem contar que fizemos toda a segunda volta sem derrota.

As expectativas são as mesmas da temporada passada: sermos bastante competitivos, formar jogadores e terminar o mais alto possível na classificação.

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*Apesar de vice-campeão, o Petro ficou de fora das competições continentais. O que você acha do atual formato das afrotaças (Liga dos Campeões e Copa da Confederação), que propiciam a participação de apenas um clube angolano em cada?

Isso se deve porque os clubes angolanos, quando vão para as competições africanas, não passam das primeiras fases. Isso prejudica o país em termos de clubes, porque afeta no número de clubes que podem participar.

Mesmo o Petro sendo segundo, ficou fora da competição africana. Eu acho que deveriam analisar o nível de todas as ligas e fazer um balanceamento de acordo com o nível, porque o Girabola é muito competitivo. Talvez mais competitivo que outras ligas que enviam mais clubes!

*Você havia treinado alguma equipe africana antes do Petro de Luanda? Como se deu o primeiro convite para trabalhar em Angola?

Ano passado [2016] foi a minha primeira experiência no continente africano. Minha ida para o Petro surgiu através de um agente que soube que o clube africano estava buscando um treinador com o meu perfil. Foi apresentado o meu currículo e o clube decidiu contratar-me.

Partida entre Africa do Sul e Angola

*Você chegou a acompanhar a edição da Copa Africana de Nações disputada este ano [sediada no Gabão e vencida por Camarões]? O que acha do atual momento do futebol africano, como um todo?

Nao vi muitos jogos, mas pude perceber que o futebol africano segue com os mesmos problemas em relação aos conceitos táticos. Com a diferença que, agora, o número de jogadores indisciplinados taticamente diminuiu muito em relação a outros anos.

Isso devido à África estar exportando cada vez mais jogadores às ligas mais potentes do mundo, e estes jogadores adquirirem outra cultura em relação à disciplina tática.

*Quais países já visitou na África? Algo mais que queira destacar sobre Angola?

Estou aqui há pouco tempo, ainda não cumpri um ano. Somente conheci Moçambique e África do Sul. Sobre o futebol dos outros países, só tenho conhecimento através de informações, nada presencial.

Posso dizer que Angola tem material humano para ser uma das potências do futebol africano se a política do futebol de formação tivesse outra dinâmica.

Ou seja, deveriam dar mais atenção à formação, porque se trabalha muito mal essa etapa dos jovens. Eles chegam ao nível profissional sem uma boa estrutura de formação, e isso atrasa o desenvolvimento do futebol do país, principalmente para a exportação de jogadores às ligas mais potentes do mundo.