Eleições presidenciais na República Democrática do Congo: Wumela ou yebela?

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Congolese youth with their voting cards ahead of the first free elections held in the DRC in over 40 years, Kinshasa, June 2006. (UN Photo by Myriam Asmani)

Filomena Capela Correia Amaral, Por dentro da África

Kinshasa, e outras cidades da República Democrática do Congo (RDC) têm sido palco de manifestações solicitando a partida do presidente Kabila e a convocação de eleições, que deram origem a violentos conflitos e resultaram em várias mortes (os números variam entre várias dezenas, em função das fontes), inúmeros feridos e na destruição de um conjunto de instalações dos partidos da oposição.

O presidente Joseph Kabila Kabange completará, em janeiro de 2017, 16 anos à frente da República Democrática do Congo (RDC). Após o assassinato do seu pai, em 2001, foi designado para assumir o poder, aceitando, nos acordos de Sun City (2002) dividi-lo sob a fórmula 1+4 (um presidente e quatro vice-presidentes), para pôr fim à chamada segunda ‘guerra do Congo’ e para tornar possível a reunificação do país, o que lhe valeu o epíteto de “artesão da paz”.

O presidente Joseph Kabila na ONU

Durante o período de governação multipartidária subsequente, a Constituição foi revista e publicada, dando origem à realização de eleições em 2006 e 2011, ambas vencidas por Kabila (apesar de múltiplas contestações sobretudo relativas ao segundo ato eleitoral), que se mantém, assim, no poder até hoje. O termo do seu segundo mandato é o dia 19 de dezembro de 2016, pelo que a oposição tem vindo a lembrar, desde há largos meses, a necessidade da realização de eleições dentro dos prazos constitucionais previstos.

Na RDC, o termo utilizado é “glissement” (deslize, escorregamento). Apesar das exigências da Comunidade Internacional, de um conjunto importante de partidos políticos e de organizações da sociedade civil, o termo do mandato do presidente não corresponderá à sua saída do poder. Haverá um prolongamento, justificado pela Maioria Presidencial (MP) com necessidade de atualizar o ficheiro eleitoral, ação que, de acordo com a Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI) só deverá estar concluída entre julho e dezembro de 2017.

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De acordo com She Okitundu, porta voz da MP no diálogo político em curso em Kinshasa, não se trata de uma violação da constituição, mas de uma incapacidade de cumprir algumas das suas exigências. Os ‘kabilistas’ argumentam que a organização de eleições num gigante de dimensões continentais como a RDC é extremamente dispendiosa e que, neste momento, o país atravessa uma situação financeira difícil, já que se vê simultaneamente confrontado a um conflito interminável no Leste e à queda dos preços das matérias-primas.

Pelo seu lado, a oposição acusa Joseph Kabila de bloquear voluntariamente o processo eleitoral e de instrumentalizar as forças da ordem e de segurança em seu favor. Rebatendo os argumentos da maioria no poder, advogam que o presidente da República deve ser o gerente da Constituição e que esta é flagrantemente violada pelo desrespeito dos prazos eleitorais, pelo que solicitam a definição de um “regime especial” que permita assegurar a gestão do país desde o dia 19 de dezembro até à investidura de um novo presidente democraticamente eleito.

O diálogo de ‘consertação’ política convocado pelo presidente decorre em Kinshasa, entre a MP e uma oposição muito insuficientemente representada, desde o dia 1 de setembro de 2016 mas os trabalhos tendem a eternizar-se por falta de um acordo político que permita encerrá-los. A instalação recente de uma célula de coordenação eleitoral da MP parece pretender afirmar a vontade política do Chefe de Estado no que respeita à realização de eleições.

Paralelamente, as grandes figuras da oposição reuniram-se no início de junho no chamado Conclave de Bruxelas, onde decidiram boicotar esta convocação ao diálogo e exigir a realização das eleições presidenciais em dezembro. Decidiram ainda constituir um Quadro Permanente de Consertação das Forças Políticas e Sociais – o Rassemblement pour le respect des valeurs républicaines (frequentemente referido apenas por Rassemblement), presidido pelo líder histórico da União para a Democracia e o Progresso Social (UDPS), Etienne Tshisekedi.

Duas grandes plataformas reúnem atualmente os grandes partidos da oposição:

  • o G7, que inclui Katumbi, os Federalistas Mwando Nsimba e Kyungu Wa Kumwanza, o antigo conselheiro do chefe de Estado em matéria de segurança, Pierre Lundi, Christophe Lutundula, que foi presidente da Assembleia Nacional entre 2006 e 2009, e dois antigos membros do Mouvement de Libération du Congo, o partido de Jean-Pierre Bemba, condenado pela Corte Penal Internacional por crimes contra a humanidade na República Centro Africana, respectivamente Olivier Kamitatu e José Endundu;
  • A Alternance pour la République, lançada em maio de 2016, e que reúne 16 partidos.

Ao contrário do que ocorreu nas eleições de 2006 e de 2011, as forças que recusam a continuidade de Kabila no poder parecem, desta vez, ter sido capazes de dialogar por forma a organizarem-se em torno de um objetivo maior, personalizado num candidato único, o carismático Moïse Katumbi. Homem de negócios bem sucedido, era um dos leais a Kabila, tendo sido Governador da província do Katanga, pelo Partido do Povo para a Reconstrução e a Democracia (PPRD).

Moïse Katumbi – BBC

Exerceu o cargo até 29 de setembro de 2015, quando se demite de funções e do partido, denunciando o desrespeito da constituição e os comportamentos intoleráveis do regime, nomeadamente em termos da repressão exercida através de prisões arbitrárias e intimidações. Adere em Dezembro de 2015 ao Front Citoyen, um movimento inclusivo que visa a realização de eleições e que funciona no interior do país e na diáspora sob o lema “Telema” (Levanta-te! ergue-te!), divulgando as suas convicções e acções através do site www.telema.org .

Katumbi é popular no Congo porque é um homem que alcançou extraordinário sucesso empresarial, e que deixou trabalho feito no Katanga, tendo a província conhecido um desenvolvimento considerável durante a sua governação, quer em termos econômicos e de construção de infra estruturas, quer em termos de acesso da população a água potável, educação e cuidados de saúde. É ainda presidente do Tout Puissant Mazembe, a quem construiu o primeiro estádio privado de um clube na RDC, que, sob a sua direção conquistou três vezes a liga dos campeões africana, tornando-se símbolo de orgulho para grande parte dos congoleses.

Jovem com a bandeira da RDC – Foto: newschoolthoughtsonafrica

Desde o anúncio oficial da sua candidatura à presidência, em maio de 2016, que tem sido vítima de perseguições judiciais, sob acusações várias, nomeadamente a contratação de mercenários estrangeiros, acabando por ser condenado a três anos de prisão. Encontrava-se, na altura, no estrangeiro, onde ainda permanece. Os seus apoiantes afirmam que se trata de um golpe, visando denegrir a sua imagem e dirigem a Joseph Kabila gritos de yebela (ficas a saber! Foste avisado!), dizendo-lhe que deve partir. Já o campo presidencial, apoia o “artesão da paz”, entoando wumela (permanece! Fica!), fazendo correr rumores de que o Conclave de Bruxelas procura apoios ocidentais, diminuindo assim a soberania do país.

A tensão quanto à realização de eleições permanece, contando ainda com o ativismo de movimentos da sociedade civil, como é o caso de La Lutte pour le Changement (La Lucha), que viu alguns dos seus elementos detidos, numa clara violação do direito de liberdade de expressão. Os acontecimentos violentos do dia 19 de Setembro podem repetir-se, havendo quem evoque a necessidade de medidas políticas que possam evitar um banho de sangue. Sendo certo que é já impossível que as eleições se realizem nos prazos constitucionais, permanecerá Kabila no poder até à realização de eleições ou encontrar-se-á uma solução alternativa através de um “regime especial” como propõe a oposição? Wumela ou yebela?

Captura de tela 2015-09-07 às 12.31.37Artigo desenvolvido pelo Curso de Estudos Africanos, do Instituto Universitário de Lisboa, para a parceria com o Por dentro da África. Saiba mais sobre o curso e a instituição aqui 

1 COMMENT

  1. Sinceramente! Esse cão do Kabila esperou os últimos meses do seu mandato pra anuciar que não há recursos para a atualização do registro eleitoral!!! É o cúmulo da desgraça, o que será que o povo africano fez aos seus ancestrais para merecer tamanho desastres sucessivos? Esse cão do Kabila quando acabar morto (tal igual as N mortes já causadas a população) como o seu Pai, Nino Vieira da Guiné-Bissau, Gaddafi e tantos outros que julgaram q o país era sua propriedade privada, terá os seus comparsas a defendê-lo e a acusar ingerência externa?