Natalia da Luz, Por dentro da África
Joanesburgo – Em junho de 1995, a África do Sul comemorava o seu primeiro título de campeã da Copa do Mundo de Rugby, mas não apenas isso. A partida contra a seleção da Nova Zelândia foi responsável por unir a nação que esteve oficialmente dividida pelo apartheid (regime de segregação em vigência de 1948 a 1994). O rugby, esporte do colonizador, rejeitado pela maioria negra, foi usado como elo para ligar os dois “países”. Um ano após ser eleito, Nelson Mandela, o primeiro presidente não-branco da África do Sul, convenceu os negros a torcerem em nome do futuro do país. E eles seguiram o conselho do líder!
– François, obrigado pelo o que você fez pelo nosso país – disse Nelson Mandela, ao capitão da equipe, François Pienaar.
– Obrigado você, presidente, por todo o seu trabalho. Pela primeira vez, todas as pessoas vieram juntas, independentemente de suas raças, religiões e se abraçaram. Isso foi maravilhoso!

Os All Blacks (apelido da seleção da Nova Zelândia) foram derrotados pelos Springboks em um momento histórico para a África do Sul. A vitória ajudou a unir os dois países (o negro e o branco) em uma única nação. Com o pedido de Mandela, negros que ainda viam o esporte como um símbolo do apartheid, torceram pela conquista de um título que não seria apenas dos brancos, mas de todos os sul-africanos.
Com 62 mil torcedores, o Ellis Park, em Joanesburgo, foi o cenário desta união representada pelos negros com a camisa dos Boks e pelos brancos que cantaram na língua dos negros (Nkosi Sikeleli iAfrica – hino nacional em 5 idiomas e Shosholoza – canção que simboliza a esperança originalmente cantada pelos negros dentro das minas).
– Definitivamente, a África do Sul traçou um novo caminho desde 1995. A seleção de rugby mostrou o seu potencial quando a nação foi unificada – disse o ex-técnico da seleção Peter de Villers, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África do Sul.

Hoje, o rugby ainda é o esporte favorito dos afrikaaners (descendentes de alemães, franceses e majoritariamente holandeses). Mas agora, ele se distancia de seus antigos estereótipos à procura de um caminho democrático, sem objeções quanto à entrada de jogadores negros nos times regionais e na equipe nacional (com cerca de 40 jogadores – mas apenas 28 jogam com frequência). Para Villers, que deixou a seleção em dezembro de 2011 substituído por Heyneke Meyer, o preconceito ficou para trás e hoje há muitas formas de incrementar o número de negros que têm o sonho de vestir a camisa verde dos Boks.
– Nós apoiamos a entrada deles porque é importante que jogadores tenham oportunidades similares nos times de suas províncias e na seleção nacional – afirmou o sul-africano.
Bryan Habana é um ícone do rugby e tem a cor da pele mais escura do que a grande maioria. Certamente, o fato de ele ocupar a posição de destaque na seleção influencia que não-brancos busquem seu espaço em um dos times mais reconhecidos do mundo.
– Ele é o modelo de um de nossos jovens jogadores para todas as comunidades, sem distinção de cor. Bryan é um ícone nacional e consegue inspirar outros a seguirem seus sonhos – contou Villers, destacando que o jogador é uma peça-chave do jogo.
Para uma equipe tão reconhecida, certamente há uma série de estratégias que justifiquem a sua supremacia. Segundo o técnico, todas as partidas são jogadas como um novo desafio que precisa de novas estratégias.
– Em geral, criamos um ambiente que vá trazer o melhor para todos os jogadores em campo – afirmou, relembrando que os Springboks jogaram a sua primeira partida em 1889 e que, constantemente, se mantiveram entre os cinco melhores times internacionais do mundo! Em 2007, eles venceram, pela segunda vez, a Copa do Mundo de Rugby.

Inovação e preparo físico no campo “de batalhas”
Segundo o técnico, todos os gigantescos Boks (bem próximos dos dois metros de altura) levam para o campo inovação e novas formas de jogar.
– Quando você prepara um time mental e psicologicamente, você analisa as condições dos jogadores que necessitam de controle diante de pressão. Um bom capitão e outros líderes que suportem o capitão são essenciais. Não podemos esquecer que o rugby é um jogo muito técnico e tático, e a gente precisa das melhores combinações entre os jogadores.
Técnico, tático e cheio de colisões! O confronto é permanente durante as partidas, e para isso os atletas precisam estar fortalecidos psicologicamente. No rugby, é imprescindível ter mobilidade, velocidade e o poder explosivo, explicou Villers.
– Ao longo dos anos, as exigências físicas aumentaram, mas não podemos ignorar o preparo mental, que segura a pressão – destacou o ex-técnico.
O rugby, realmente, é um esporte vibrante, um grande espetáculo. Um show imperdível que poderia ser adotado no país do futebol. “Por que não?”, perguntaram os craques. Seguindo com o papo, fizemos algumas para alguns dos melhores jogadores do mundo.

PDA: O time de rugby da África do Sul é um dos melhores do mundo. Para você e para os sul-africanos, o que significa o rugby?
John Smith: O rugby é um dos melhores esportes do mundo e os sul-africanos são apaixonados por ele. O esporte é jogado ao redor do país por crianças, jovens, adultos… É uma paixão nacional e, para muitos, quase uma religião. Além disso, ele representa a união porque pode ser jogado por atletas e gente de todas as classes.
PDA: Conseguiria destacar algumas experiências marcantes dentro do time dos Springboks?
Schalk Burger: Ter vencido a Copa do Mundo de 2007 foi definitivo para o time. Outros momentos marcantes foram quando ganhamos a Tri-Nations em 2004 e 2009. Ah, neste ano ser considerado o melhor do mundo também foi muito bom…
PDA: O que é necessário para se tornar um jogador dos Springboks?
JP Pietersen: Trabalhar pesado e se dedicar demais, intensamente. Você precisa fazer o melhor em todas as oportunidades. Há muitos bons jogadores em nosso país. É preciso se certificar de que você permanece no seu ápice em termos de aptidão, treinamento e todo o preparo.
PDA: A Copa de Rugby da África do Sul em 1995 foi muito importante para o país em termos de igualdade, união e expectativas. Você acha que a Copa do Mundo pode também ajudar a mudar o atual cenário?

Victor Matfield: Sim, definitivamente. Os eventos grandes como este unem e promovem a sustentação de todos os sul-africanos. Há um espírito de igualdade muito forte presente nesses momentos. Estou certo de que a África do Sul realizou uma Copa do Mundo bem-sucedida. Isso é muito significante para todos aqueles que deram a sua contribuição.
Assista ao trailer de Invictus, filme inspirado no jogo que uniu a África do Sul
A reportagem foi publicada por Natalia da Luz, no Jornal do Brasil, em 2010.
Por dentro da África
Mandela além do ser humano incrível que era, sempre foi muito inteligente. Ele viu no esporte uma ótima oportunidade para tentar realizar o processo de reconciliação da África do Sul depois do apartheid. Ele sabia que o esporte tem esse forte poder de união e isso foi algo vital também para seu governo. E indiretamente,ele deixou um legado para que os negros pudessem jogar rugby. Visto que na matéria mostra que aumentou o número de praticantes com o decorrer dos anos.