Por dentro da História: 15 anos sem Milton Santos, o geógrafo da globalização

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FLICKR Milton Santos
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Por Ademir Barros dos Santo, Por dentro da África 

Há exatos 15 anos o Brasil e o mundo perdiam aquele que, talvez, tenha sido o mais profundo pensador da influência social da globalização: Milton Almeida Santos ou, apenas, Milton Santos, como o pensador baiano se tornou mundialmente conhecido.

Milton nasceu em Brotas de Macaúbas, no dia 3 de maio de 1926. Já aos 13 anos dava aulas de matemática no Instituto Baiano de Ensino, ginásio em que ele próprio estudava; aos 15, passou a lecionar Geografia e, aos 18, foi aprovado em Direito na Universidade Federal da Bahia, em Salvador, capital deste estado.

FLICKR Milton Santos
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Já nesta época, interessou-se pela política de esquerda, socialista, a qual nunca abandonou; como tal, sempre olhou a sociedade com os olhos da possível mudança vista a partir dos entraves à plenitude humana que esta lhe oferecia.
Aos 32 anos concluiu doutorado na Universidade de Estrasburgo, cidade fronteiriça entre França e Alemanha e, no regresso, criou o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais.

Três anos depois, nomeado, por Jânio Quadros, para a subchefia do Gabinete Civil da Presidência, acompanha Jânio em comitiva a Cuba, o que o leva à prisão domiciliar quando sob o regime ditatorial instaurado em 1964. Segue para o exílio, na França: de Toulouse vai a Bordéus e, pouco depois, chega a Paris; 1968 o encontra lecionando na Sorbonne. Em 1971, muda-se para o Canadá, onde trabalha na Universidade de Toronto; a seguir, passa a ser encontrado como pesquisador no MIT, onde escreve, em 1979, sua principal obra: O Espaço dividido, hoje considerada clássico mundial; é onde desenvolve inovadora teoria sobre o desenvolvimento urbano nos países subdesenvolvidos.

A seguir, transita por Venezuela e Peru, atuando junto à ONU; de volta à Europa é convidado, por Londres, a lecionar no University College; não assume o cargo: entraves raciais são interpostos à sua contratação. Vai a Paris, mas logo retorna à Venezuela, como docente na Faculdade de Economia da Universidade Central; a seguir, vai à Tanzânia, África, onde organiza a pós-graduação em Geografia da Universidade de Dar-es-Salaam.

Apenas dois anos depois é convidado, pela primeira vez, a lecionar em seu próprio país: é a UniCamp quem lhe faz este convite mas, por falta de segurança política, Milton não assume o cargo. No momento seguinte, passa a consultor do Estado de São Paulo, atuando junto à Emplasa – Empresa de Planejamento – do Estado.

Atuando no Brasil na UFRJ até 1983 é, no ano seguinte, contratado como professor titular de Geografia da USP, onde permanece até mesmo depois de aposentar-se, atuando como orientador de teses e funções similares, assim como na Universidade Católica de Salvador.

Em 1994, é agraciado com o prêmio Vautrin Lud que, conferido por universidades de 50 países, equivale ao Nobel. Que não existe na área de Geografia.
Como pensador, volta-se para a análise de globalização: para ele, resumidamente, as fronteiras físicas diluem-se na grande ausência de fronteiras mundiais, que apenas se limitam por ideologias de poder, fazendo com que grupos, quer nacionais, quer apenas sociais, percam sua humanidade, transformados que são, pelo poder da propaganda massiva, em consumidores.

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Sorocaba – Seu pensamento pauta-se na formação de consensos geridos por interesses econômicos, que se propagam via tecnologia, sendo esta a materialização da ciência; neste caso, posta a serviço do disciplinamento social. Porém, melhor do que qualquer discurso alheio, é a própria palavra deste pensador de enorme estatura intelectual que, entre outras portentosas frases, afirma que “a força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa, não o que os une”. A contundência e agudeza desta afirmação, por si só dispensa comentários.

Mas Milton, agraciado, a partir dos anos 80, com mais de uma dezena de títulos “Doutor Honoris Causa”, dos quais alguns concedidos por universidades estrangeiras, fez por merecê-los ao afirmar, por exemplo, que “o mundo é formado não apenas pelo que já existe, mas pelo que pode, efetivamente, existir”, apontado para o fato de que os lugares, se retomados seus sentidos de solidariedade e olhadas suas próprias necessidades, se à luz da própria cultura, servem como privilegiadas trincheiras à dominação globalizada.

Isto porque, ensina ele, “a globalização mata a noção de solidariedade, devolve o homem à condição primitiva do cada um por si e, como se voltássemos a ser animais da selva, reduz as noções de moralidade pública e particular a quase nada”.

Isto, talvez porque a globalização, ao se pautar pela régua do consumo, conduza o ser humano, para além da competição ostensiva, à competição simbólica, que se consolida na ostentação. Portanto, cada indivíduo passa a ser, apenas, indivíduo, não mais membro de qualquer grupo, exceto quando este grupo lhe traz status, fechando o ciclo da ostentação.

Milton aponta, como instrumento desta alienação generalizada, a informação que, a seu ver e na forma como está sendo difundida, torna-se “um dos traços marcantes do atual período histórico”, pois seu papel passou a ser verdadeiramente despótico, visto que “o que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde.”

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É nesta linha que Milton ainda opina que “o terrível é que, nesse mundo de hoje, aumenta o número de letrados e diminui o de intelectuais”, o que lhe permite opinar que “existem apenas duas classes sociais: as dos que não comem e a dos que não dormem com medo da revolução dos que não comem”.
O que se vê, atualmente, é a classe dos que não comem engrossada por aqueles de quem quer-se retirar a pouca comida que lhes resta…
Talvez por isto e partindo destas premissas, Milton opine que “na pré-história o homem das cavernas vivia em bandos para se defender de predadores; hoje, o homem vive em bandos para depredar”.

Este o pensador que perdemos há quinze anos.
É este seu pensamento. Será que ele continuará? Alguém o substituirá?

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