Poesia sem fronteiras: Joice Zau, poeta angolana, é a campeã do SLAM BR 2021

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*Miriane Peregrino, Por dentro da África

Desde 2014, o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos através do ZAP! Slam (primeiro evento de slam do Brasil) organiza em São Paulo o campeonato brasileiro de poesia falada, o Slam BR. Por conta das restrições impostas pela pandemia, o Slam BR passou do palco para a tela, acontecendo em formato online nas edições de 2020 e 2021. Se por um lado, no formato online, perdemos o contato presencial com a cena; por outro, ele desterritorializou as competições, abriu brechas de mobilidade internacional para poetas com acesso à internet e atentos às salas virtuais, e reescreveu o papel das curadorias locais. A vitória de Joice Zau, poeta angolana residente em Angola, no Slam BR Online na noite de domingo reúne todos os elementos da reconfiguração dos campeonatos de poetry slam sob o impacto da pandemia.

Natural da província de Cabinda, Joice Zau aprendeu português aos 9 anos e hoje reside em Luanda, capital angolana, onde estuda, trabalha e atua como ativista. Em 2019, ela participou da competição “Muhatu” organizada pela slammaster angolana Elisangela Rita como meio de incentivar e promover a participação das poetas na cena do spoken word angolano. Muhatu da língua kimbundu traduz-se Mulher.

Em 2020, a participação de Zau no Slam Tundawala, na TV angolana, viralizou nas redes sociais. O poema “Em 2022, vão gostar” se tornou um poema-protesto que reivindica mudanças políticas nas eleições que virão e marcou os 45 anos da independência de Angola sob o governo do partido político MPLA (originalmente, “Movimento Popular de Libertação de Angola” na luta de libertação contra o colonialismo português). No mesmo ano, Zau participou do Luanda Slam (que é a primeira competição de slam angolana), mas também não levou o troféu desse campeonato.

A virada de Zau, e que também tem sido a virada de outros artistas de Angola e Moçambique em tempos de pandemia, foi o slam online. Desde o ano passado, Joice Zau entrou nas competições brasileiras através desse novo formato.

Em entrevista remota, Joice nos contou que foi através das redes sociais que descobriu os slams onlines: “Fui me inscrevendo e participando. Nisso vi uma grande oportunidade de intercâmbio e emanar a minha poesia para outras geografias. Os slams online para mim são uma oportunidade de eu poder mostrar a minha arte, a cultura, as alegrias, tristezas, histórias de África, de Angola para outras pessoas.

Essa abertura, essa chance de pessoas doutras partes do mundo poderem participar, me deixa imenso feliz”. Zau destacou também a identificação e acolhimento da comunidade negra brasileira com sua poesia angolana: “Me sinto conectada como se estivesse falando com os meus irmãos que estão noutro continente, que viajaram a muito tempo. É uma relação de reconexão, partilha, descoberta, abraços virtuais”.

Sua primeira participação foi no Slam Minas Suburbanas e, depois de uma série de participações em slams brasileiros virtuais, Joice Zau ganhou nas edições locais do Slam Diadema (SP), Slam das Minas SP, Slam Rachão Poético, Slam das Minas PE e Slam da Guilhermina (SP). Por meio desses dois últimos, Zau competiu nas estaduais de Pernambuco e São Paulo e garantiu duplamente sua vaga para o Slam BR. Decidiu então representar Pernambuco na disputa do campeonato brasileiro e, por isso, a vitória de ontem foi como representante de PE.

Atualmente, Zau acumula os títulos de primeiro lugar do Slam Delas (mulheres de língua portuguesa) e Slam BR, ambos de organizações brasileiras. Com a vitória no Slam BR, Zau é nossa representante na competição continental americana, Abya Yala Poetry Slam, que acontecerá no Rio de Janeiro. Ela também está classificada para a Copa das Favelas e fará parte da nova antologia do Slam da Guilhermina (SP) por sua vitória na edição de abril.

A história da literatura angolana foi feita por poetas e escritores engajados e comprometidos com seu tempo. Através de vozes de uma nova geração de artistas, com reivindicações que traduzem as demandas do contexto angolano atual, o spoken word reafirma o compromisso dessa literatura nos dias de hoje e isso fica explicito nas narrativas de Zau: “Por meio da arte, influenciar para as pessoas tenham consciência crítica, noção das suas narrativas. Quero mudar as minhas comunidades, de alguma forma, usando arte como ferramenta de intervenção política” – nos contou Joice Zau – “Fazer a arte falada Angolana ser conhecida em mais espaços, e principalmente, que a arte continue a me humanizar”.

Lorna Zita: Moçambique também participou do Slam BR

O Slam BR também teve a participação da poeta moçambicana Blackmelanin, nome artístico de Lorna Telma Zita. Blackmelanin competiu representando o estado brasileiro do Paraná, mas também foi campeã de edições locais do Slam Delas, Slam Pé Vermelho e Slam da Guilhermina. Além de competir em eventos de slam online, Zita também assiste workshops e oficinas de formação.

“[O slam online para mim] significa uma janela de oportunidade de conhecer poetas, slams ao redor de mundo. Eu não teria acesso se essa janela não se abrisse. Dá-me oportunidade de fazer a troca de experiência sobre as narrativas do slam e fazer esse intercâmbio das duas culturas tanto a brasileira assim como moçambicana.” – nos disse Lorna Zita.

Lorna se destacou na primeira edição do Moz Slam, competição moçambicana de slam organizada por Hamilton Chambela e Enia Lipanga, em 2018 e tem representado Moçambique em eventos internacionais, recentemente, no Festival BBC do Reino Unido. Sobre o slam brasileiro, Zita também se sente acolhida e em casa: “Tenho uma relação muito boa, há uma interação muito grande. Eles tem me recebido de portas abertas. Notei que acabei conquistando muitos corações brasileiros, pessoas que passaram a seguir o meu trabalho e me dão suporte até mesmo nas batalhas que faço, e isso não tem preço. A minha admiração pelo povo brasileiro cresce ainda mais” – nos disse Blackmelanin – “Espero acima de tudo que essas interacções entre os dois povos possam nos unir ainda mais e, quem sabe, um dia nos encontramos e fazer essa troca presencialmente”.

O Slam BR 2021 aconteceu entre 30 de setembro e 3 de outubro e teve domingo uma final emocionante com seis slammers e apresentação de Dani Nega e Roberta Estrela D’Alva.
Embora o circuito de poetry slam tenha mais de 35 anos nos Estados Unidos, no Brasil, as competições de slam ganharam força na última década e o país conta hoje com mais de 250 coletivos de slam. Essa modalidade literária-esportiva foi introduzida por Roberta Estrela D’Alva em 2008 através do ZAP! Slam. Já Angola e Moçambique tem competições mais recentes.

A primeira competição angolana foi criada em 2015 por Elisangela Rita, “Luanda Slam”, e a primeira moçambicana, “Moz Slam”, foi realizada em 2018 por Hamilton Chambela e Enia Lipanga através do Palavras São Palavras. O elemento da competição, formação e inserção no circuito internacional de poetry slam são os aspectos que diferenciam essas competições dos outros eventos de poesia falada desses países.

*Miriane Peregrino realizou estágio de pesquisa na Universidade Agostinho Neto (Angola) e nos centros culturais brasileiros de Luanda e Maputo, é doutora em Letras pela UFRJ (Brasil) com a tese “Luanda Slam: a literatura angolana fora da página”. Desde 2018 desenvolve pesquisa sobre o circuito de poetry slam em países de língua portuguesa.