Os novos tempos da mídia africana

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Foto – Produção cinematográfica em Camarões – CNN

Fernando Morgado, Por dentro da África

Há seis meses no ar, o canal Africanews, ligado ao Euronews, transmite notícias para 7,3 milhões de domicílios em 33 países da África Subsaariana via satélite e para todo o mundo via Internet – onde, diga-se de passagem, foi lançado quase cinco meses antes de chegar às telas das TVs. São 24 horas diárias de conteúdo totalmente bilíngue – em inglês e francês – produzido por uma equipe formada por mais de 85 profissionais.

Para qualificar uma empreitada desse tamanho, que exigiu três anos de planejamento, Michael Peters, CEO da Euronews SA, empregou reiteradas vezes o termo “aposta” – com toda a emoção (e risco) que essa palavra traduz – durante a conferência de imprensa na manhã de 20 de abril de 2016, dia da estreia do Africanews na televisão.

Sentado à bancada do moderno estúdio do canal em Pointe-Noire, cidade comercialmente mais pujante do Congo, Peters garantiu: “Nós não viemos à África para entregar o ponto de vista dos europeus para os africanos. Nós trouxemos nossa experiência em produzir conteúdos multilinguísticos a um custo razoável. Somente africanos determinarão a pauta diária dos nossos noticiários”.

Bancada do AFRICANEWS

Conheça Africanews aqui

O Africanews é mais um dos vários exemplos de uma tendência cada vez mais forte na televisão africana: somar o know how estrangeiro ao mercado local. Nesse sentido, o Brasil ocupa um papel de destaque nos países lusófonos.

Há décadas que as telenovelas brasileiras, especialmente as da Globo, são apresentadas no continente africano. Em Moçambique, por exemplo, a primeira foi “O Bem-Amado”, em 1986, treze anos após ter sido lançada no Brasil. Em contrapartida, somente em 2014 que os brasileiros puderam assistir uma novela africana. O pioneirismo coube à TV Brasil com “Windeck”, da Semba Comunicação, que, em 2013, chegou a ser indicada ao Emmy Internacional.

Para além da dramaturgia, os africanos também podem assistir programas de variedades e telejornais brasileiros através dos canais pagos da Globo – Globo Premium e Globo ON, este lançado em 1 de junho de 2015 para pacotes básicos – e da Record, sendo que esta também transmite em sinal aberto em Cabo Verde, Uganda, Madagascar, Angola e Moçambique. Nestes dois últimos, a rede de Edir Macedo lidera a audiência, superando, inclusive, os canais controlados por empresários locais.

A presença da Record em Moçambique merece ser destacada. Sob a marca Miramar, adquirida pelos brasileiros em 2010, opera uma rede de dez emissoras que cobrem todo o território nacional. Sua programação combina produções próprias com pregações da Igreja Universal – presente no país desde 1992 – e atrações brasileiras, incluindo telejornais policiais que, de tão extensos e intensos, chegam a afetar a imagem que muitos moçambicanos fazem do Brasil. Ao mesmo tempo, a força da Miramar faz com que atores, jornalistas e apresentadores brasileiros sejam tão populares lá quanto são aqui.

Novela angolana exibida na TV Brasil

Não são poucos os críticos dessa presença estrangeira tão vigorosa na mídia africana, especialmente a lusófona. Alguns tratam essa como uma nova modalidade de colonialismo, com o Brasil agindo através da TV como Portugal agia através das caravelas. Por outro lado, a presença de produtos e profissionais brasileiros em terras africanas pode (e deve) auxiliar o desenvolvimento do mercado local.

Através do estímulo à geração de negócios e à troca de conhecimentos entre africanos e brasileiros, abrem-se novas oportunidades de crescimento para ambos e de fortalecimento dos tantos pontos que temos em comum e que vão muito além do idioma.

Sobre o autor

Fernando Morgado é consultor da Federação Nacional das Empresas de Rádio e Televisão (FENAERT), escritor, palestrante, designer, jornalista, professor da FACHA e professor convidado de instituições como ESPM, Universidad Autônoma Metropolitana do México e PUC-Rio. Autor do livro biográfico “Blota Jr.: a elegância no ar” (Matrix, 2015). Tem outros quatro livros como autor, coautor e colaborador. Mestrando em Gestão da Economia Criativa, pós-graduado em Gestão Empresarial e Marketing e graduado em Design com Habilitação em Comunicação Visual e Ênfase em Marketing pela ESPM. Atuou na área de inteligência de mercado do Sistema Globo de Rádio e foi comentarista da Rádio MEC.