“Nunca pegamos em armas. Usamos palavras”, diz líder sobre a independência do Benin

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Porto de Cotonou – Wikipedia

Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – Localizado na África Ocidental, um país de nove milhões de habitantes é exemplo de convivência pacífica para todo o continente. O Benin, antigo Daomé, colonizado pela França, completou 53 anos de independência em 1 de agosto. Com um passado de reconhecida democracia, o olhar dos beninenses de hoje é para o futuro.

– Não tivemos guerra, tivemos uma negociação entre os governos africanos e o governo da França. Nós deveríamos nos assumir, havia chegada a hora de buscar a nossa identidade. Mas agora, temos que pensar no que fazer com esses 53 anos – disse, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, o embaixador do Benin no Brasil, Isidore Monsi, sinalizando um futuro cheio de expectativas para o seu país.

Mapa do Benin

Do século XVII ao século XIX, a região foi governada pelo Reino de Daomé, área  referida como a Costa dos Escravos desde o século XVII devido ao grande número de escravos que deixavam a África rumo ao Novo Mundo. Após a escravidão ser abolida, a França tomou o país e o rebatizou de Daomé Francês. Apenas em 1975, o país ganhou o nome de Benim.

Na semana passada, em meio à comemoração da independência, o secretário de Estado dos Estados Unidos John Kerry emitiu uma nota considerando o Benin o líder democrático da África Ocidental devido à transparência em suas eleições. Apesar de ter sido governado por uma ditadura militar de 1972 a 1991, o país também é chamado de “o laboratório de democratização em África”.

– Se não fosse a luta contra os franceses, nunca teríamos visto conflito. E nem para isso tivemos que pegar em armas. Usamos palavras para conseguir a nossa independência – afirma Giresse Acakpovi, líder da associação de estudantes beninenses no Brasil.

Giresse em visita à família no Benin – Arquivo Pessoal

No Rio de Janeiro há cinco anos, o jovem de 30 anos que nasceu em Cotonou estuda medicina na UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Ele foi o responsável pelo Encontro dos Estudantes Beninenses, que abordou a história, cultura e o futuro do seu país. Realizado na própria universidade,  estudantes e especialistas trataram de temas como a religiosidade, educação tradicional, identidade e desafios para os avanços do país.

– A gente se une para ter mais troca e fortalecer o ideal que viemos buscar aqui, fora da nossa terra. Não é porque estamos longe de casa que não pertencemos mais ao presente. Nós fazemos parte do seu futuro – afirma o líder que, em palestra, contou a história do Benin desde a formação dos três reinos (Allada, Daomé e Adjatché) comandados na época pelo reino de Daomé.

Universidade do Benin – Divulgação

Giresse acredita que esse intercâmbio beneficia não apenas a geração que é parte desse processo, mas o Benin como um todo. Ele destaca que os beninenses espalhados pelo mundo e pelo Brasil  também aproveitaram o dia 1 de agosto para refletir sobre a sua contribuição para alcançar novos degraus que outros países já alcançaram. Só que com um importante detalhe: sempre preservando a cultura.

Relação com o Brasil 

Nós não compartilhamos a mesma língua (o colonizador português desembarcou no Brasil séculos antes de os franceses chegarem ao antigo Daomé), mas há tantas semelhanças que fica difícil até para listar.  Esse elo pode ser explicado ao fazermos uma viagem ao período da escravidão.

O Benin foi um dos países da África que mais enviou escravos para o Brasil. Na época, inúmeros beninenses vieram trabalhar nas minas de ouro e nas lavouras de café. Quando a Lei Áurea foi assinada, em 1888, libertando os escravos,  muitos deles voltaram para a sua terra natal e, no antigo Daomé, receberam o nome de agudás.

Agudás são os beninenses retornados, os responsáveis pela troca de culturas que cruzou o oceano Atlântico e construiu do lado de lá uma relação intensa com o Brasil.

O embaixador Isidore relembra um momento que o fez chorar, ao se dar conta de que a seleção brasileira de futebol havia sido eliminada pela equipe da Itália, na Copa de 1982. O futebol é um atrativo forte que une os dois países, mas não apenas isso.

Comemoração da independência no Rio de Janeiro em 1 de agosto – Lionel

– Nós temos farofa, acarajé, feijoada, samba e até o “bumba meu boi” do Brasil! É um povo de alma brasileira! No campo da religião, o vudu do Benin seria a prática religiosa mais próxima do candomblé do Brasil. Por conta dessa proximidade, temos o projeto (com a ajuda do IPHAN) para fazer o Patrimônio Cultural de Origem Brasileira no Benin – revela o diplomata, completando que há muitos bens de origem brasileira por lá, especialmente na capital Porto Novo.

Cooperação econômica

Segundo a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações), de 2008 a 2012, o intercâmbio comercial entre os dois países cresceu 20,5%, de US$ 131,9 milhões para US$ 158,9 milhões. Em 2012, a corrente de comércio foi 14,3% maior que em 2011. O Benin foi 9º parceiro do Brasil entre os países da África Subsaariana no mesmo ano.

Cotonou – Wikipedia

Isidore destaca que esse movimento vem aumentando por conta de programas nas área de educação, saúde e agricultura. Ele lembra que o presidente do Benin Boni Yayi fez três visitas ao Brasil em pouco mais de um ano e que a Petrobras realiza um trabalho de pesquisa que visa à exploração do petróleo no Benin – compartilha o embaixador com otimismo.

No país, onde a renda per capita é de US$800 e cerca de 40% da população vive abaixo da linha da pobreza, há muitas urgências econômicas, desafios que a nova geração deve superar para fortalecer o país.

Cidade de Cotonou – Divulgação

Esses jovens que cruzam os mares ao encontro de outras terras, principalmente, o Brasil, também contribuem com a educação do lado de cá, apresentando a verdadeira África (de fragilidades, mas de muitos avanços) que grande parte dos estudantes brasileiros desconhece.

– Nesse dia tão importante da nossa história, reforçamos o nosso papel na troca de culturas. Devemos jogar fora o que não nos faz bem e aceitar as coisas boas que vêm de fora. Esse balanço positivo é o que transforma a sociedade – completa Giresse.

Por dentro da África 

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