Projeto exporta araucárias e busca produzir pinhão para combater fome em Moçambique

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Professor Dartagnan Baggio Emerenciano cuida de uma muda de araucária plantada em Moçambique

Por Alexandre Costa Nascimento, Por dentro da África

Sob perigo crítico de extinção no Brasil, a araucária — espécie arbórea também conhecida como Pinheiro do Paraná – encontrou terreno fértil em Moçambique, onde começa a ser usada experimentalmente na criação de florestas de manejo sustentável. Além da produção de madeira para fins comerciais, o projeto visa à produção de pinhão para ajudar a combater a fome e a desnutrição da população.

Araucária plantada no projeto Cefloma, em Moçambique

A ideia foi semeada por meio de um projeto de cooperação científica na área de engenharia florestal entre a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Universidade Eduardo Mondlane – primeira e maior universidade pública de Moçambique –, no Centro Agroflorestal de Machipanda (Cefloma), localizado na província de Manica, próximo à fronteira com o Zimbábue.

Nos primeiros testes, foram plantadas cerca de 1,5 mil mudas de araucária para subsidiar um estudo comparado do ciclo de crescimento das plantas em Moçambique e na região sul do Brasil, onde a vegetação ocorre naturalmente. Os resultados são promissores e indicam um desenvolvimento das “araucárias africanas” em ritmo análogo ao verificado pelas plantas no Brasil.

Valerio Pillar- Creative Commons

Como a madeira da araucária tem qualidade superior às espécies usadas em florestas plantadas — como o pinus e o eucalipto–, a expectativa é que o projeto seja capaz de promover o desenvolvimento econômico e social nesta região moçambicana.

“No futuro poderá haver um acréscimo significativo na economia local principalmente pela possibilidade de produção de alimentos e madeira de reflorestamento com qualidade”, explica em entrevista ao Por dentro da África, o pós-doutor em Economia e Manejo Florestal e pesquisador do Acordo de Cooperação Técnico-científica da UFPR/UEM, Dartagnan Emerenciano.

A ideia para Moçambique é a de conciliar o plantio de araucárias de forma combinada com as machambas, como são chamas as roças de produção agrícola local de milho, feijão e mandioca, promovendo o envolvimento da população que cuida das árvores desde o plantio.

“A meta é a produção de pinhões para alimentação das populações, principalmente crianças. A pobreza é grande, a falta de alimentos e a desnutrição são evidentes. O pinhão é uma excelente alternativa para alimentação devido às suas propriedades nutritivas e para eles o benefício é grande devido a ser extremamente calórico”, explica Emerenciano.

Em Moçambique, segundo o Inquérito Demográfico de Saúde (IDS) de 2011, 43% de crianças entre os 0 e os 5 anos sofriam de desnutrição crônica moderada, 20% de desnutrição crônica grave e 8% de desnutrição aguda.

Em comunicado, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) lembrou que, de 2007 até 2017, o país reduziu de 50% para 25% o percentual da população em situação de insegurança alimentar.

Embora as plantas do projeto ainda não estejam produzindo as sementes comestíveis – o pinhão começa a ser produzido por árvores com idade entre 12 anos e 15 anos –, o pesquisador conta que a iguaria é muito apreciada pelos moçambicanos. “Todos os que provaram os pinhões adoraram. Fizemos sapecados, assados, cozidos e até farofa de pinhão. Por isso as mulheres e mães participam do projeto de manejo comunitário e cuidam das araucárias com muito carinho”.

Além do sabor característico, o pinhão possui diversas propriedades nutricionais e é rico em ferro, manganês, zinco, fósforo, magnésio e cálcio. O pseudofruto da araucária também contém quantidades significativas das vitaminas do complexo B e vitamina C, além de fibras e proteínas, que indica grande potencial do pinhão na promoção da segurança alimentar em Moçambique.

Adaptação

Fernando Picarelli Martins/Creative Commons

A boa adaptação da araucária deve-se à algumas características geográficas do local. Machipanda tem altitude de cerca de 1 mil metros acima do nível do mar. Para efeito de comparação, Curitiba, capital do estado do Paraná — e que tem a araucária como seu símbolo –, está a 900 metros acima do nível do mar. Já a latitude de Machipanda equivale à da Serra da Mantiqueira, no Sul de Minas Gerais, onde também há ocorrência natural de florestas de araucárias.

“Esperamos que o crescimento continue a seguir os padrões, mas estamos preocupados com o tipo de solo da região em Moçambique que poderá afetar o crescimento no estágio da formação das árvores adultas . Somente nos próximos anos podermos ter alguma conclusão com base nas análises das curvas de crescimento”, aponta o pesquisador.

O professor lembra que não há risco de as araucárias provocarem algum desequilíbrio ao ser introduzida na região, uma vez que a espécie não se comporta como uma invasora devido às suas características e os experimentos são todos conduzidos em regime de Manejo Sustentável.

A região de Machipanda conta com alguns poucos exemplares já adultos. Estas araucárias, provavelmente foram plantadas no início da década de 1980 por pesquisadores portugueses que levaram o pinhão do Brasil. Estas árvores já formaram a copa no formato de cálice e produzem pinhão.

Araucária – EBC

Espécie ameaçada

A araucária no Brasil é atualmente protegida e chegou aos níveis de extinção devido à exploração descontrolada. A espécie é protegida por lei desde 1797, quando sua exploração foi limitada ao uso exclusivo da Coroa portuguesa. Anos e anos de cortes abusivos e a ausência de reposição com novos plantios, entretanto, praticamente eliminaram a ocorrência deste bioma na região sul do Brasil.

Para evitar que o problema ocorra também com as árvores plantadas em solo africano, o projeto do Cefloma trabalha em pesquisas para promover o manejo sustentável e permitir o corte das árvores comprovadamente em estado de maturidade.

1 COMMENT

  1. Muito nteressante o projeto. Tomara que mais hectares em terras mocambicanas possam plantar e produzir mais pinhos para a alimentar das populações. Nao so de Manica, mas do país como um todo. Há, realmente, necessidade de reduzir os índices de subnutrição e má nutrição.