Laboratório farmacêutico brota da terra em São Tomé e Príncipe

3
905

Diversidade na mesa. Roça de S. João, São João de Angolares, São Tomé e Principe. Foto de Maria Cartas Por Mario Lopes, Por dentro da África

(publicado no Global Voices e oferecido ao Por dentro da África)

São Tomé – Ainda é através da medicina tradicional que cerca de 80% da população de países em vias de desenvolvimento assegura os cuidados primários de saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde, que instituiu, em 31 de Agosto de 2003, o Dia da Medicina Tradicional Africana. Em São Tomé e Príncipe a cura de várias enfermidades e moléstias com recurso a plantas medicinais não é exceção.

O segundo menor país da África, depois de Seychelles, é considerado o “Eldorado” de muitos investigadores internacionais, sendo mundialmente reconhecido como um dos maiores “hotspots” africanos de biodiversidade, com pelo menos 148 espécies de plantas exclusivas daquele lugar.

Com uma imensa riqueza natural, observamos uma grande importância às plantas medicinais face aos medicamentos industrializados forjando assim o seu uso peculiar. 

A veracidade da ação terapêutica das plantas utilizadas já foi comprovada por investigadores que estiveram no terreno, como  Maria do Céu Madureira, que tem sido, nos últimos anos, um dos rostos de destaque na recolha, sensibilização e difusão (com os devidos créditos) desta riqueza intelectual vigente nas ilhas.

Sun Pontes e Maria do Céu Madureira no primeiro TEDx São Tomé, 20/06/2013.

Dados científicos e receitas tradicionais sobre o uso de múltiplas plantas foram publicadas num livro com a coordenação da investigadora em farmacologia e etnobotânica, intitulado “Estudo Etnofarmacológico de Plantas Medicinais de S. Tomé e Príncipe”. Num artigo sobre “Plantas Medicinais e Medicina Tradicional de S. Tomé e Príncipe” (pdf, 2012), disponível no Centro de Estudos Africanos do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Maria do Céu Madureira afirma:

– Quem possui conhecimentos profundos sobre a matéria são os terapeutas tradicionais, usualmente conhecidos por várias denominações locais como “tchiladô ventosa” (aplicador de ventosas), “stlijon mato” (cirurgião de mato), “patlela” (parteira tradicional). Essas pessoas quase centenárias (salvo raras exceções) são portadoras de conhecimentos que foram passados por seus ancestrais por via da transmissão oral, e hoje em dia estão numericamente em extinção.

No início de agosto o Global Voices reportou sobre o projeto documental Soya Kutu (Estórias Curtas) que tem produzido curtas-metragens de animação envolvendo um conjunto de “médicos tradicionais”, crianças e jovens. Os pequenos vídeos contam histórias em torno das plantas medicinais e seus usos tradicionais, valorizando as referências culturais que se lhe associam.

Um exemplo é o prato mais típico do país, Calulu, que contém ervas medicinais com efeitos benéficos para a malária, cólicas, lombrigas, diarreia, desinteria, dor de cabeça, entre outros, como mostra o vídeo “Depois do Dia do Bocado“:

Jovens estudantes de um curso de Turismo descreveram a sua percepção da importância da medicina tradicional para a sociedade santomense num trabalho realizado para a disciplina de História do Patrimônio:

Traditional-African-Medicines

– Constatamos que a nossa terra está enriquecida de cura para todo o tipo de moléstias e doenças. Desde as mais insignificantes ervas daninhas, até as árvores de grandes portes, constituem uma fonte de remédios para todos os males.

Não descurando a preocupação eminente com a perda deste patrimônio imaterial, eles afirmam que “a medicina tradicional adquiriu um peso significativo na sociedade são-tomense” porque:

– Faz parte da crença do povo são-tomense, pois desde há muito tempo que as pessoas acreditam nos tratamentos e nos efeitos da medicina tradicional. Esta crença foi-nos transmitida pelos nossos avós, tornando-se assim, a nossa tradição «quá cú bé mé nu, dona mu cá fé, ele só çá vede, ele só cá buá dá nom» – (o que eu vi minha mãe e minha avó a fazerem, é para mim verdadeiro e melhor para nós).

Apropriação do conhecimento tradicional

Segundo eles, a prática tem diminuído gradualmente no país por razões diversas como o desinteresse das gerações mais novas, a recusa dos mais velhos em transmitir conhecimentos aos mais novos, e a diminuição da credibilidade da medicina tradicional face à medicina científica. Por isso, afirmam, “é necessário preservar este conhecimento, para que não desapareça”.

Enquanto que muitos curiosos e especialistas estrangeiros continuam a fazer expedições a São Tomé e Príncipe em busca dos “médicos tradicionais” das ilhas para que os mesmos partilhem seus conhecimentos, há quem critique “a apropriação do conhecimento tradicional” ao serviço da indústria famacêutica. Xavier Muñoz, Geógrafo e Presidente da Associação Caué-Amigos de S.Tomé e Príncipe radicado em Barcelona, escreveu em 2008:

Divulgação Medicina Tradicional Africana IFPMA

As diferentes espécies de plantas medicinais que escondem os matos húmidos africanos estão a dar dia a dia novas fórmulas de princípios ativos farmacológicos nos laboratórios das grandes multinacionais, que são imediatamente patentados, baixos [sic] marcas industriais e produzidos com os anos a grande escala. Posso concordar que os custos de desenvolvimento dos p

rodutos farmacológicos nessas empresas podem ser altos, mas isso não deveria supôr a apropriação dos direitos sobre a base do conhecimento que é originário muito frequentemente do saber tradicional local.

Ele acredita que esse conhecimento devia ser valorizado e preservado, tal como Brigida Rocha Brito, doutorada em Estudos Africanos, que apela às mãos dadas entre saberes:

–  Também defendo que as medicinas tradicionais são de preservar, bem como o conhecimento dos mais velhos. Acredito que este pode vir a ser um excelente trabalho de parceria entre a investigação científica e a sabedoria tradicional de carácter popular.

3 COMMENTS