“Reflexão sobre o Dia Mundial do Refugiado”, por Charly Kongo

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Foto: RD. Congo unicef
Foto: RD. Congo unicef

Por Charly Kongo, Por dentro da África

Agradeço pelo convite e pela oportunidade de falar neste seminário sobre a questão dos refugiados e do trabalho.

No meu país há um ditado que diz “o trabalho é o seu pai e também a sua mãe”. O trabalho é aquilo que dá condição para que cada pessoa possa se desenvolver. É assim no país onde nasci e é assim aqui no Brasil.

Nós, os refugiados, deixamos nossa terra por causa da violência, por causa da guerra e por causa da tirania dos dirigentes. Fugimos de países que são governados pelos mesmos homens há décadas; onde lutar por liberdade significa prisão, tortura ou assassinato em massa.

Não deixamos nosso país por uma escolha. A única opção que tínhamos era entre morrer ou viver. Escolhemos viver e queremos viver dignamente. Não somos diferentes das outras pessoas; queremos liberdade, queremos paz e queremos uma vida digna. Como todos os seres humanos, também temos sonhos, desejamos um futuro melhor, queremos gozar a vida. É por este motivo que fugimos. É por este motivo que tantas pessoas atravessam o Mediterrâneo.

Muitos de nós fugimos para cá à procura de paz e liberdade. Mas não há liberdade nem paz sem trabalho. Só com trabalho conseguimos um futuro melhor. Mas o trabalho que queremos é o trabalho digno.

charlyÀ primeira vista, ninguém é capaz de distinguir um refugiado de um brasileiro. É isso que faz do Brasil uma grande nação. Qualquer um de nós pode ser confundido com um brasileiro: um congolês, ou qualquer outro africano; um árabe ou um colombiano. Ninguém tem como fazer essa distinção apenas pelo olhar. Mas basta que nos ouçam, que vejam nossos documentos, que descubram de onde viemos, e então as coisas mudam. As diferenças aparecem…

Só pelo fato de sermos africanos, somos considerados analfabetos. Pensam que não temos cultura, que não temos formação, que somos ignorantes. Só pelo fato de sermos árabes, pensam que somos terroristas. Pelo fato de sermos colombianos, somos traficantes… Somos como todos os outros: queremos liberdade, temos sonhos e queremos gozar a vida.

Pelo fato de que somos estrangeiros, pelo fato de que somos refugiados e porque somos africanos, porque somos haitianos ou árabes ou colombianos, ficamos com os trabalhos mais duros, os mais pesados. Nos dão as piores funções e as piores condições de trabalho. Acham que não temos inteligência ou formação. Mesmo quando temos currículos melhores que os demais.

Para as mulheres refugiadas, a situação é ainda pior. Se o campo de trabalho para nós refugiados já é tão restrito, as refugiadas ficam duplamente discriminadas e percebemos que a maioria delas está desempregada.

Amigos e amigas…

Não é verdade o que dizem sobre os refugiados e sobre os migrantes. Não viemos roubar os empregos dos que vivem aqui. Não viemos viver de benefícios ou de suas riquezas. Viemos ajudar a construir seu país, a contribuir com o crescimento da sua cidade. Viemos aqui para fortalecer sua economia.  Assim como aqueles que no passado ajudaram a construir suas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro.

O trabalho conquistado por cada refugiado tem uma grande importância. Além de reconstruir a nossa vida, ajudamos nossos irmãos e irmãs que permaneceram em nossa terra natal. Vocês sabem que a maior ajuda que a população dos países pobres recebe não vem de entidades governamentais? Mas sim das pequenas remessas que os refugiados e migrantes fazem; é tão importante quanto a ajuda financeira internacional. É uma ajuda direita, livre da corrupção dos governos de nossos países. Sem nossa ajuda, nossas famílias não sobreviveriam.

Por isso queremos fazer um agradecimento a todos vocês, mas também queremos fazer alguns apelos.

Somos muito gratos pela acolhida que o Brasil nos dá. Somos gratos porque o Estado brasileiro nos recebe como refugiados, assim como recebe os haitianos e outros migrantes. Somos gratos porque, diferente do que acontece em países com democracias mais antigas e avançadas, aqui podemos trabalhar. Desde o momento em que somos aceitos como solicitantes de refugio, a Lei brasileira nos permite trabalhar. Somos gratos porque encontramos paz e liberdade, porque temos empregos e temos trabalho aqui. Mas precisamos ainda de compreensão e ajuda.

 

Por tudo isso, queremos sua ajuda para que possamos ter trabalhos dignos. Para que as leis nos permitam trabalhar. Pedimos que nos ajudem para que não sejamos tratados como escravos. Que não nos explorem.

Também apelamos às autoridades para que nos permitam exercer nossas profissões, de acordo com nossa formação. Que nos ajudem na revalidação dos diplomas. Que também nos ajudem com cursos de capacitação.

Enfim, solicitamos que nos ajudem a construir nossa liberdade e nossa paz. A conquistar nossos sonhos. E que assim possamos contribuir para um país cada vez mais democrático e mais justo e humano.

Muito obrigado.