Sudão do Sul: Para onde foram nossos sonhos (2ª parte)?

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Sudão do Sul – Foto – ONU

Por Gerson Brandão, Por dentro da África

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Juba – Como se o prognóstico de genocídio não fosse suficientemente alarmante, outra previsão triste para o Sudão do Sul acaba de ser confirmada, e, declarada oficialmente pelo governo: a inanição! É a primeira vez, em seis anos, que a inanição é declarada em qualquer parte do mundo. A ONU considera a inanição um termo técnico para ser usado com moderação. Além dos tecnicismos, a declaração formal de inanição no Sudão do Sul significa que pessoas já começaram a morrer de fome!

Embora os rincões de fome tenham sido identificados anteriormente, entre os meses de agosto e setembro de 2016, a insegurança alimentar tem vindo a deteriorar-se significativamente nas últimas semanas e ainda se espera que continue até o pico da chamada “época de carência alimentar”, antes da colheira, em Julho de 2017.

Há temores de que a fome se espalhe para diferentes regiões do país e que 1 milhão de sul-sudaneses estejam à beira da fome assim como a ONU indica que 4,6 milhões de pessoas – mais de 40% da população do Sudão do Sul – precisam urgentemente de alimentos.

No entanto, a falta de acesso humanitário às zonas afetadas pela falta de alimentos é uma preocupação maior das organizações humanitárias que trabalham no Sudão do Sul. Conseguir mais recursos financeiros para a assistência básica e ter livre acesso às diferentes partes do pais é uma luta diária para as agências humanitárias que tentam a todo custo fazer a ajuda chegar aos mais necessitados. Infelizmente, segundo organizações humanitárias estrangeiras presentes no país, a burocracia estatal vem impondo medidas que ao invés de facilitar, restringem o trabalho daqueles que poderiam ajudar o governo a garantir o bem-estar da população.

Além das dificuldades de acesso, organizações (governamentais ou não), presentes em zonas isoladas do país vivem sob o risco constante de serem atacadas como foi o caso no dia 21 de fevereiro, quando escritórios de organizações humanitárias, instituições e instalações governamentais foram saqueados e vandalizados em Yuai, estado de Jonglei (leste do país) desde que novos combates entre grupos armados estouraram no dia 15 de fevereiro.

Algumas organizações humanitárias planejavam retornar à Yuai se a situação de segurança permitisse. No entanto, as últimas informações vindas da região indicam combates ininterruptos entre os grupos pró-governamentais e a oposição armada, com ambos os lados mobilizando ainda mais combatentes.

A guerra vem sistematicamente destruindo o então fértil país fazendo com que aqueles que mais precisam tenham suas necessidades alimentares básicas cada vez mais limitadas.

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Sudão do Sul – Foto – ONU

O Sul do Sudão nasceu com o duplo desafio de lidar com as consequências de mais de 50 anos de conflito (instabilidade, necessidade de um projeto de reconciliação nacional), juntamente com enormes necessidades de desenvolvimento (luta contra o desemprego, disponibilidade de serviços sociais como saúde e educação).

O país tem uma riqueza petrolífera significativa, que, se fosse efetivamente utilizada para impulsionar o desenvolvimento, poderia fornecer a base para o progresso nos próximos anos, no entanto, sem uma estratégia adequada para a resolução dos conflitos internos assim como um ambiente propício para a paz e a estabilidade, o desenvolvimento do Sudão do Sul assim como a prosperidade que poderia vir do petróleo, estão seriamente ameaçados. Ao final, é só com a paz que o país pode ser construído e que os sonhos que vieram com a independência podem ser alcançados.

Gerson Brandão é funcionário da Organização das Nações Unidas, e mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Estrasburgo