Sudão do Sul: Para onde foram os nossos sonhos?

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South Sudan / UN
South Sudan / UN

Por Gerson Brandão, Por dentro da Africa

Juba – Com exceção de uma tênue paz entre 1972 e 1983, conseguida graças às negociações de Addis Abeba – Etiópia, entre os insurgentes do sul (o grupo Anya Nya, o veneno da cobra) e o governo do Sudão, a região do Sudão do Sul era conhecida, até então, como um insolúvel campo de batalha antes do acordo de paz por um grupo de países africanos em 2005.

A distinção norte-sul e a hostilidade entre as duas regiões do Sudão se fundam em conflitos religiosos, bem como um conflito entre povos de culturas e línguas diferentes. A língua e a cultura do norte são baseadas no árabe e na fé islâmica, ao passo que a parte sul tem suas próprios costumes e tradições, principalmente não árabes – majoritariamente animistas (praticantes das religiões tradicionais africanas) e católicos.

A tão sonhada independência, negociada em 2005, chegou apenas em 2011. E, quando tudo parecia mudar com um novo momento criado por um ciclo de esperança jamais vivido, eis que os antigos companheiros de luta, dessa vez separados por disputas políticas e tribais, começaram a lutar entre si em 2013.

Celebrants arriving in Juba for South Sudan's independence day festivities: "We must get to work right away," said President Salva Kiir. Photograph: UN Photo / Paul Banks
Celebrants arriving in Juba for South Sudan’s independence day festivities: “We must get to work right away,” said President Salva Kiir. Photograph: UN Photo / Paul Banks

A situação no Sudão do Sul vem se degradando nos últimos anos enquanto. Uma comissão das Nações Unidas para os direitos humanos disse que está em curso em várias áreas do país, que conta 64 grupos étnicos, um processo contínuo de limpeza étnica; envolvendo massacres, privação de alimentos, estupros coletivos além da destruição de aldeias de tribos rivais ao grupo político do Presidente Salva Kiir.

Um cenário que já contém todos os elementos definidos para a preparação de um genocídio, uma repetição do que aconteceu em Ruanda e 1994, porém dessa vez a comunidade internacional tem tomado as medidas esperadas para cumprir com obrigação de evitar o pior.

Entretanto, uma série de medidas burocráticas e restrições de acesso vem sendo impostas pelo governo do Presidente Kiir, impedindo organizações humanitárias de levar ajudar às pessoas que mais precisam, assim como tratar os doentes. Todas essas restrições quando se estima que 4,6 milhões de sul-sudaneses estarão diretamente expostos à fome, sem condições de prover as necessidades alimentares básicas entre janeiro e abril de 2017.

Pouco tempo depois da tão desejada independência, o Sudão do Sul se transformou em um pesadelo não apenas para seus cidadãos, mas também para aqueles que tentam contribuir para a criação deste jovem país.

South Sudanese citizens in Juba celebrate during an event marking the country's one year independence anniversary. UN/S. Winter
South Sudanese citizens in Juba celebrate during an event marking the country’s one year independence anniversary. UN/S. Winter

Além dos confrontos, com um número recorde de ataques registrados em novembro contra funcionários das organizações internacionais, e das dificuldades de acesso criadas pelo governo com normas burocráticas que só fazem restringir o acesso aos serviços básicos, a recusa de dialogar entre as diferentes partes envolvidas no conflito trazem uma perspectiva sombria para o futuro.

Enquanto a comunidade internacional continua trabalhando em busca de uma paz que insiste em não chegar, a população local se pergunta se esse é o preço da esperança e quando o sonho deixará de ser um pesadelo.

Gerson Brandão – Funcionário da Organização das Nações Unidas, e mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Estrasburgo