Direitos Humanos em Angola: As cartas de outubro e o ubuntu necessário

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vigilia lisboaPor Susan de Oliveira, Por dentro da África

No dia 27 de outubro, Luaty Beirão encerrou a sua greve de fome e o fez comunicando em carta aos companheiros de prisão onde reafirmou sua disposição para continuar lutando, agradeceu e pediu que a greve de justiça também cessasse em Angola e que a solidariedade transnacional continuasse existindo. “Somos todos revolucionários”, disse ele. No mesmo dia 27, Nuno Álvaro Dala, outro dos ativistas presos, escreveu também uma “Carta aberta aos angolanos” em consenso com os demais 14 ativistas. Em ambas as cartas se colocam o sofrimento físico, o trauma destes quatro meses de tortura e prisão e o revés do julgamento que se aproxima antecipado no perdão, apesar de tudo, ofertado aos juízes e aos algozes todos, incluindo o presidente José Eduardo dos Santos:

“Sabemos muito bem que a ética do mal que rege os agentes do regime também rege, inclusive, o juiz indicado para nos julgar em Novembro, mês em que Angola completará 40 anos de independência. Estamos cientes de que já fomos condenados publicamente pelo regime de José Eduardo dos Santos. Ainda assim, pedimos a todos os Angolanos de bem para que PERDOEM ESTA GENTE. Os detentores do poder estão cientes de todos os males que perpetraram contra os Angolanos ao longo de 40 anos. É compreensível que vivam permanentemente aflitos e com medo de perderem tudo (inclusive as riquezas que saquearam à nação) e de serem julgados por um povo que sente na carne e no osso os efeitos de uma paz perversa que morde mais que a guerra.

Do presidente da república ao último agente da opressão – todos eles precisam de PERDÃO. Ódio e vingança não são o caminho para o futuro de Angola (uma Angola livre democrática e de bem-estar).” (Carta de Nuno Álvaro Dala)

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No dia 28 de outubro, os partidos de oposição em Angola uniram-se para assinar uma carta de solicitação de demissão do Procurador Geral da República, após analisarem “a problemática da violação dos direitos humanos em Angola, da continuada ocorrência de prisões políticas arbitrárias, nomeadamente, nas províncias de Cabinda, do Huambo, de Luanda e de Benguela, resultantes sobretudo da interferência gritante do titular do Poder Executivo, o Senhor Presidente José Eduardo dos Santos, sobre o poder Legislativo e Judicial.”

Mas, apesar das cartas, as violações de direitos humanos continuaram implacáveis. Nos últimos dias de outubro, houve ainda outras prisões. A do ativista Mano Magno que foi interceptado a 200 metros da Assembleia Nacional quando para lá se dirigia com a intenção de ouvir o discurso sobre “O Estado da Nação” proferido pelo vice-presidente Manuel Vicente, em 15 de Outubro, e as prisões de alguns manifestantes em Benguela e Malanje que, no dia 31, andavam em grupo também a “quererem” fazer alguma coisa e, em ambos os casos, o simples querer, uma intenção oculta qualquer, mereceu uma punição severa, conforme relatou o secretário do MPLA em Benguela, onde os 18 manifestantes serão sumariamente julgados no próximo dia 05 de novembro. Acusação: tentativa de manifestação e desobediências às autoridades.

A última carta dos 15 ativistas, datada de 30/10/15, enviada desde o Hospital-prisão São Paulo, onde estão agora todos, inclusive Luaty Beirão que foi transferido no dia 03 de novembro, foi assinada por Nuno Álvaro Dala, Manuel Nito Alves, Arante K. I. Lopes, Nelson D. M. dos Santos e Sedrick de Carvalho denunciando a degradação rápida da saúde dos presos políticos que seguem sem atendimento médico – mesmo estando em um Hospital-prisão – mostrando a deterioração planejada da vida dos detentos que é parte da necropolítica vigente. E tal condição tende a piorar caso sejam condenados no julgamento que começará em 16 de novembro.
CAMPANHA PELA LIBERTAÇÃOS DOS ATIVISTAS ANGOLANOSAo ler ambas as cartas dos ativistas foi inevitável a comparação. A primeira é de uma grandeza moral inequívoca e o perdão ali declarado responde à condenação injusta e prévia tanto quanto às consequências terríveis das torturas e maus-tratos explicitadas na segunda carta. Perdoar a quem não pediu perdão é um gesto moral grandioso nas atuais circunstâncias e que eleva os injustiçados acima dos violadores, mas não tem o efeito reparador do ubuntu zulu que foi o referencial da justiça pós-apartheid, na África do Sul de Mandela. Na ubuntuidade entende-se que o violador deve ser também reparado em sua humanidade e perdoado para que não haja vingança e mais violência.

O perdão é um ato em nome do bem comum, da paz e do estabelecimento de um tipo de justiça que se baseia na coexistência, na mutualidade e no equilíbrio, nunca na aniquilação. É esta a intenção dos ativistas. Mas, o segredo maior do ubuntu é a reciprocidade. A humanidade de um depende do reconhecimento da humanidade do outro, o perdão de um deve encontrar o perdão do outro. Sem a participação da outra parte, o perdão não tornará justo o injusto, tampouco fará com que a violência humana cesse, pois, parafraseando Álvaro, esta é a única arma de quem tem medo da justiça, seja ela punitiva ou reparadora. O perdão, neste caso, parece que continuará tendo o medo e a violência como resposta, os dois lados da mesma moeda da “paz perversa” de que fala Nuno Álvaro Dala.