Por Susan de Oliveira, Por dentro da África

Três dos 14 ativistas angolanos em prisão domiciliar estão passando fome. São eles: Albano Bingo Bingo, Arante Kivuvu e Tomas Nicolas. A notícia foi publicada pela agência Voa Português e repercutida nas redes sociais, no começo desta semana que antecede o reinício do julgamento marcado para o dia 07/03.

É paradoxal que isso ocorra estando os referidos réus, como os demais, sob a custódia do Estado que, ao mantê-los em prisão domiciliar, assumiu a responsabilidade tanto de vigiá-los como de lhes dar assistência médica. E por que a segurança alimentar dos presos domiciliares não tem a garantia do Estado? E de quem será a responsabilidade se algo acontecer em decorrência da fome e das condições precárias em que vivem estes presos?

Sabe-se que as famílias se comprometeram a oferecer alimentação e residência fixa, mas sabe-se também que não há como se negarem a isso mediante a possibilidade de seus filhos e esposos estarem em casa mesmo que presos. As famílias foram constrangidas pela nova Lei a se responsabilizarem pelos réus que, antes da prisão, ajudavam no sustento familiar, como é o caso de Fernando Tomas, que trabalhava por conta própria e era o responsável pela esposa e dois filhos. Agora são eles que precisam sustenta-lo e sem qualquer apoio do Estado:

“Como devem imaginar, estando em prisão, não pode sair para ir aos seus biscates e com isso conseguir rendimentos para sustentar a família e a si. Desde dezembro de 2015 que quase todos ativistas implicados no processo dos 15 sobrevivem de mão estendida”, escreveu o ativista Mbanza Hamza, na sua página no facebook, solicitando doações para os companheiros.

Outros já sofrem por não terem as famílias por perto, como Albano Bingo Bingo e Arante Kivuvu que estão em situação ainda pior. Vivendo sozinhos, em condições desumanas e longe das famílias, eles dependem exclusivamente da caridade até que se conclua o julgamento e não se sabe sequer para quando esperar a sentença.

Todas as datas de reinício e prazos falharam. Certo mesmo é que o Tribunal fez tudo até agora para provocar (e não provar) a condenação que depende, sobretudo, de condições políticas favoráveis ao regime para efetivá-la. Os sucessivos adiamentos e outras medidas têm mais a ver com essa falta de condições políticas e ausência de meios para produzi-la.

No dia 18 de fevereiro, o Juiz Januário Domingos decidiu prorrogar a prisão domiciliar que chegava ao fim e o fez sem respeitar os princípios da Lei que a regem, segundo os advogados dos ativistas. Basicamente, o Juiz deixou de avaliar a proporcionalidade da medida, se esta é de fato a “menos gravosa” para os réus considerados em sua individualidade, e de avaliar a materialidade das premissas de “atividade criminosa” e periculosidade previstas na Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro).

Como bem informou Rui Verde, Dr. em Direito, no Jornal Maka Angola, de 24/02/16, o Juiz Januário Domingos se limitou a citar a Lei sem aplicá-la na situação concreta sobre a qual arbitrava. Ao contrário, no seu manuscrito ele concluiu ser a manutenção da prisão domiciliar a mais adequada ao perfil dos réus: “para se evitar a fuga dos mesmos, o perigo da continuação da actividade criminosa de perturbação grave da ordem e tranquilidade pública, dada a personalidade dos requerentes.”

Ora, personalidade não é crime e não é prova, mas apenas um juízo moral sobre determinadas formas de expressão. Transformar a subjetividade que é uma característica individual em argumento contra a liberdade de alguém é mais que uma arbitrariedade moralista. É uma decisão política autoritária porque tanto não respeita a expressão de uma individualidade (que não é crime) como fundamenta a decisão de manter a prisão domiciliar coletiva. No despacho do Juiz, a afirmação de uma possível “continuação da atividade criminosa” revela-se, ainda, como uma condenação antecipada onde a pena também se antecipa no limbo da miséria, da marginalidade e do esquecimento.