O antropólogo Ruy Llera Blanes fez uma resenha do livro de Nuno Dala

De Luanda – O livro O Pensamento Político dos Jovens Revús, da autoria de Nuno Álvaro Dala – um dos “15+2” presos que marcaram a vida política angolana desde 2015 -, responde diretamente a uma questão que se ouviu por todo o lado em Angola ao longo de 2015 e 2016: mas afinal, o que querem esses Revús? Da parte do regime angolano, emergiram várias sugestões: desde servir interesses estrangeiros até concluir um golpe de estado, alterar a ordem pública ou simplesmente “arruaçar”. No entanto, nem mesmo no processo jurídico que se iniciou com a prisão dos 15+2, nunca houve qualquer interesse em perguntar aos Revús “o que é que eles querem”.

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Importa dizer que o livro de Dala não se pretende constituir como uma proposta canonizadora da ideologia do Movimento Revolucionário. É antes um dos vários movimentos individuais de reflexão, que emerge a partir das próprias características do movimento: uma confluência de pessoas de diferentes origens e sensibilidades, mas que partilham uma ideia em comum – a insatisfação e a crítica contra o estado atual das coisas em Angola, um país que, após 40 anos de independência, e após 14 de paz e crescimento econômico, continua a revelar problemas sistêmicos no que se refere à igualdade perante a justiça, distribuição de riqueza, liberdade de expressão, direitos humanos, etc.

CAMPANHA PELA LIBERTAÇÃO DOS ATIVISTAS ANGOLANOS

A fome, a insegurança, a incerteza, a injustiça e a violência continuam a fazer parte do quotidiano de uma demasiado vasta maioria de angolanos. Neste contexto, o livro de Nuno Dala resulta de uma análise individual de alguém que se posiciona simultaneamente enquanto acadêmico e ativista, parte integrante de um movimento mais lato. Constitui-se, portanto, como uma de várias vozes possíveis.

Portanto, o que os Revús “querem” é um debate político sobre Angola – ou melhor, um debate político plural e verdadeiro, que não seja manipulado, dominado ou pejado de censuras. Noutras palavras, onde a imaginação ou o ensaio de regimes sociopolíticos alternativos não seja considerado crime, tentativa de golpe de estado ou traição à pátria. Um país que se define a si mesmo como sendo uma democracia não pode negar aos seus cidadãos essa possibilidade.

‘O ativismo em Angola tem muitos riscos de represálias’

Tendo isto em conta, O Pensamento Político… pode ser visto como tendo duas linhas de reflexão: por um lado, o livro de Dala é um contributo valioso enquanto exercício de contextualização sociopolítica que permite ao leitor ter uma melhor compreensão do que são os Revús, quando e onde apareceram e aquilo que defendem para o país. Na senda do livro de Coque Mukuta e Claudio Fortuna, Os Meandros das Manifestações em Angola (2011), refere o 7 de Março de 2011 como momento fundador: o momento em que um grupo de jovens, inspirado na Primavera Árabe viu a sua tentativa de manifestação pacífica em prol da destituição do presidente José Eduardo dos Santos no Largo 1º de Maio gorada pelas forças de segurança do regime.

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Por outro lado, o livro elabora uma genealogia e análise críticado que é que consideram “estar mal” no país, o que é que os motivou à tal manifestação do 7 de Março de 2011. Nuno Dala aponta vários ângulos: a pobreza endêmica e a incapacidade de garantir vida digna a uma maioria dos seus concidadãos, a corrupção política, o silenciamento da sociedade civil e os ataques à liberdade de expressão, o “apagamento” de histórias de violência contra a oposição política, as desigualdades perante a lei e a incapacidade de respeitar a própria Constituição – e um largo “etc.”

Para este efeito, Dala sugere, para entender o regime político angolano, o conceito de “democratura” (capítulo 5), que como facilmente se depreende, parte da conjunção de dois conceitos-sistema: democracia e ditadura. A questão chave aqui é a característica particular dessa conjunçã13866923_994694727314291_1924396719_no, que passa por um processo de “revestimento” ou mesmo “travestismo”: uma ditadura que se apresenta como uma democracia, ou que utiliza a democracia como máscara (p. 139).

São vários os exemplos mencionados neste sentido: a militarização do regime (“Angola, o país dos generais”); a propaganda mediática e a censura; e as práticas neopatrimoniais e nepotísticas do poder político. Isto apesar da constante proclamação, por parte do regime, de que Angola é um “estado de direito”, com base numa Constituição da República (Artigo 2º) que assim o confirma, embora só no papel.

À luz de alguns teóricos da política africana contemporânea, esse conceito de travestismo político não é estranho. Liniger-Goumaz atingira uma conclusão semelhante a propósito do sistema político da Guiné Equatorial (1992). Os próprios conceitos de “política do ventre” de Jean-François Bayart, surgida a propósito dos Camarões (1989), ou de “governo privado indireto” de Achille Mbembe (1999) também revelam dinâmicas semelhantes de aparência e ocultação no espaço político africano. Neste contexto, a obra de Dala, e o debate que invoca, enriquece o debate sobre o estado da política no contexto africano.

Entre pessoas que leram (ou mesmo as que não leram) o livro, não faltarão críticos às teses de Nuno Álvaro Dala. Certamente o seu autor concordará comigo em que essas críticas serão obviamente bem vindas, porque estimulam o debate, pluralizam as ideias e fazem da política uma “coisa” pública em Angola. Mas mesmo que outras teses venham subsequentemente contradizer, questionar ou relativizar as teses de Dala e dos jovens Revús, uma coisa é certa: não era de todo necessário prender e tentar silenciar os seus autores.