África em Verso: “O luto e a luta”

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3ª Marcha das Mulheres Negras no Centro do Mundo ( (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Ed Mulato, Por dentro da África

Luto contra a luta
de fazer, do luto, luta
todo dia, todo dia…

Luto contra o cheiro de carniça
que invade, inteiro, a missa,
mesmo estando o corpo ausente

Este cheiro, a gente sente…
… completamente…

Todo dia a gente morre;
todo dia se revive;
todo dia o sangue escorre…

todo dia…
todo dia…
to do dia…

Um tiro, um grito
Lá no chão, um corpo quente…
… e povo passa, indiferente…
perversa
mente

… essa a desgraça,
que a gente sempre sente
Profuun damente…

Todo dia a mesma luta.
Como é dura essa labuta!

Que é bruta,
e é diária,
é incerta,
inserta e vária,
deserta, pária,
porque perdida de saída:
é o fim da vida ainda em vida

Que culpa tenho de meu gene diferente?
Que culpa tenho se, também, me sinto gente?
Meu sangue corre como o seu: vermelho e quente…

Meu Deus, cadê a sua paz?
Onde estão meus orixás?
Será meu corpo entregue à terra?
Será incerta e infinda a mesma guerra?

Nem assim meu grito cala.
Minha voz, se muda, fala:
alguém irá levar meu luto à frente;
minha luta estará sempre presente
Eternamente…

A minh’alma assim o sente.
Minha luta? É ir em frente….
Com-pul-so-ria-mente…
… a paz ausente…
perenemente…

Este é o luto
que a gente sempre sente…
É sempre assim:
é quase o fim…
Tão simplesmente.

Ed Mulato