Lima Barreto: Um romancista da negritude

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Lima Barreto – Divulgação / Arquivo

Eliégine Miranda da Silva, Eloisa Gonçalves Lopes, Por dentro da África 

Para contrapor à narrativa que a abolição da escravatura deu-se por benesse do poder constituído, Por dentro da África lembra a história de Lima Barreto, nascido em 13 de maio de 1881.

Ninguém poderia esperar que aquele menino nascido exatamente 7 anos antes da assinatura da Lei Áurea (13 e maio de 1888) iria se tornar no romancista que Lima Barreto se transformou. Afonso Henrique de Lima Barreto, nascido preto, dedicado à família  sempre empenhou sua vida à negritude. É dele os famosos romances ‘Clara dos Anjos’ e o ‘Triste Fim de Policarpo Quaresma’.

Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881, de pai português e mãe escrava; estudou em Niterói e, depois, no antigo Colégio Dom Pedro. Ingressou, em 1897, na Escola Politécnica, onde cursou engenharia até 1902, quando teve que abandonar o curso para cuidar do pai. Trabalhou na Secretaria de Guerra, o que lhe deu certa tranquilidade financeira, mas, por ser alcoólatra, esteve internado duas vezes, em 1914 e 1919, no hospício nacional, como resultado de recorrentes crises. Lima Barreto morreu em 1º de novembro de 1922, 48 horas antes do falecimento de seu pai.

Para muitos autores, Lima Barreto deve ser estudado como pré-modernista, por sua visão da realidade brasileira, consciente de nossos verdadeiros problemas: ao mesmo tempo em que critica o nacionalismo ufanista, exagerado e utópico, herança da escola literária romântica, aproxima-se da linguagem jornalística, que faria escola entre vários autores, após 1922.

Em todos os seus romances, percebe-se um traço autobiográfico: suas experiências aparecem transpostas em alguns personagens, principalmente negros e mestiços, que sofrem com o preconceito racial.

Muito se discute sobre o reconhecimento de Lima Barreto como um dos mais importantes escritores da nossa literatura: no seu tempo, não foi reconhecido. Há seguidas críticas por sua falta de estilo; entretanto, atualmente, sua obra mereceu reavaliação, sendo colocada em lugar de destaque na literatura nacional. Hoje, inegavelmente, um romance como “Triste fim de Policarpo Quaresma” figura entre nossas obras primas, ao lado da melhor produção de Machado de Assis e Graciliano Ramos.

Cabe ressaltar que o primeiro escritor negro a lutar em favor do seu povo contra os ideais de branqueamento da sociedade, foi Luiz Gama, que também participou da campanha da abolição da escravatura, como jornalista e advogado. Em poesias satíricas ele fez, abertamente, referências a si próprio como negro, dirigindo sua crítica a todos os descendentes afro-brasileiros que tentam escapar de sua origem, ocultando-se através da máscara de falso branco.

Seu poema mais famoso é, sem dúvida, “Quem sou eu”, conhecido popularmente como a Bodarrada, porque joga com a palavra bode, termo depreciativo para o mulato. Gama rejeita o termo, preferindo chamar-se a si próprio de negro e, assim, sugere, em provocação satírica, que muitos outros deveriam fazer o mesmo, porque há poucos no Brasil que podem negar qualquer descendência afro-brasileira.

Leia também: ‘Luiz Gama foi a grande voz negra contra a escravidão’ 

Semelhante a Gama em muitas de suas críticas aos valores artificiais e à falta de autenticidade da classe dominante, Lima Barreto que, como ele, poderia ser melhor classificado como opositor do contexto então vigente, escreveu, objetivamente, sobre o grande número de mulatos moradores do subúrbio do Rio, no começo do século 20.

Ele chegou a propor, em certa oportunidade, que o movimento literário “negrismo” seria um hino de louvor à sua raça. Gilberto Freyre atribuiu a atitude de Barreto ao fato de, ao contrário de Machado de Assis, ser pobre e escuro e, por isso, ser obrigado a ressaltar sua negritude.

Talvez se encontre algum fundo de verdade neste ponto de vista: Machado passou da extrema pobreza aos escalões mais altos da sociedade de então, enquanto Lima Barreto, nascido na baixa burguesia suburbana, nunca conseguiu apoio para subir socialmente.

Como Luiz Gama, filho autodidata de uma escrava, Barreto não devia agradecimentos a ninguém, e não tinha interesses egoístas a proteger e, talvez por este motivo, podia ser plenamente honesto em sua descrição.

No pensamento deste autor, os valores distorcidos presentes na família mulata que aspirava à pequena burguesia são, assim, como perversos redutores, presentes como causas da desgraça de Clara, em seu romance “Clara dos Anjos”. A atitude da família de Clara perante os valores da sociedade branca, é de humildade, mas falta-lhe a força moral e o espírito prático para opor-se aos atos prejudiciais impostos a ela por esta sociedade, devido à sua cor.

Lima Barreto tinha uma visão pessimista do Rio em sua época. Acreditava que vendo-se como elite, ela vivia como elite, mas em exílio espiritual. Voltava, então, a mente para a Europa, enquanto os mestiços e os pobres em geral viviam no exílio social do subúrbio, aparecendo na capital só durante o dia, para trabalhar.

No romance “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, sua obra mais importante, Barreto considera que a apatia dos pobres daquela época se explique em termos sociais, como reflexo da apatia dos líderes do país: o Brasil, segundo ele, seria um país que não tinha ideal porque seus líderes não estavam interessados nele como nação, e sua população pobre era oprimida pela falta de ajuda e incentivo.

Os romances, além de inúmeros ensaios, crônicas e artigos de Lima Barreto têm, por ambiente, o Rio de Janeiro suburbano, com seus funcionários públicos aposentados, operadores, tocadores de violão, moças sonhadoras… Todos tipos populares, pessoas simples e de classe média.

Entre as dezenas de suas obras estão: Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909), As Aventuras do Dr. Bogoloff (1912), Numa e a Ninfa (1915), Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919), Histórias e Sonhos (1920).

Artigo produzido pelo Núcleo de Cultura Afro-Brasileira da Universidade de Sorocaba