“De Cape Town a Muscat”: As surpresas e descobertas pelas estradas de 15 países africanos

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Foto de Guilherme Canever Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – A África cultiva riquezas que cobrem 20% da terra firme do planeta. As múltiplas faces e cenários de diversidade estão por todos os lados do terceiro maior continente do mundo. Se em um pedacinho de terra já é possível se surpreender, imagine ao percorrer mais de 25 mil quilômetros visitando 15 países africanos em um trajeto da Cidade do Cabo (na África do Sul) até Muscat (Omã, no Oriente Médio)?! Com espírito de desbravador, o engenheiro florestal Guilherme Canever deixou o Brasil e traçou uma rota flexível que reunia algumas cidades africanas, mas grande parte não teve planejamento, o que abriu a porta para o imprevisível e para o encantamento pela África.

– Eu tinha alguns desejos, mas muito da viagem foi se desenhando ao longo do caminho. Você vai escutando sobre lugares que não conhecia, vai vendo novas possibilidades. Não canso de dizer que o melhor da viagem está entre as “atrações principais” e não pode ser planejado. É preciso dar chance para o acaso – conta em entrevista ao Por dentro da África, o brasileiro que passou seis meses nas estradas africanas.

Norte da Namíbia - Foto de Guilherme Canaver O viajante (e não turista) ficou mais tempo em cidades grandes como Dae Es Salam (Tanzânia), Nairóbi (Quênia) e Addis Abeba (Etiópia), mas a sua preferência sempre foi pelos vilarejos, pelo interior de onde ele pisou: África do Sul, Namíbia, Botsuana, Zâmbia, Malauí, Moçambique, Tanzânia, Quênia, Uganda, Ruanda, Burundi, Madagascar, Etiópia, Somalilândia e Djibuti!

Para fazer amizade em lugares de costumes tão diferentes, uma boa dica é saber o que se passa no país, qual a realidade política da região. Por isso, ler os jornais era parte do roteiro e uma das tarefas de Guilherme. Para ele, esse contato com a população local foi o ponto alto da viagem (que, contando com os outros países fora da África, durou três anos!)

– Somos adeptos do que se poderia chamar de “turismo cultural” e fomos muito recompensados por isso. Procurei ler bastante antes, mas com tantas regiões, era difícil me aprofundar… Chegando lá, ficou mais fácil e pude aprender bastante – destaca o curitibano, que sempre cultivou o interesse por história, geopolítica e cultura.

muscatNeste aprendizado, Guilherme também contou com a esposa Bianca Canever, companheira de vida e de estrada há 10 anos. Ela chegou no meio do percurso africano e participou da aventura em visita a seis nações africanas. Para fincar os pés nas estradas do mundo por tanto tempo (3 anos no total), eles deixaram os seus empregos e partiram juntos para uma experiência imensurável que deu origem a dois livros. O percurso africano foi relatado em “De Cape Town a Muscat: uma aventura pela África”, um diário de bordo rico em informações, estórias e fotos. O segundo livro já foi lançado e leva o nome ” De Istambul a Nova Deli: Uma aventura pela rota da seda”.

Falando a língua do povo 

Nesta parte oriental da África, o swahili é uma das línguas mais faladas e ouvidas. Ela é a língua nativa de diversos grupos que habitaram e habitam uma faixa de 2500 km da costa leste da África. Em função do contato dos povos dessa área com comerciantes e navegadores de língua árabe durante alguns séculos, o swahili tem cerca de um quarto de suas palavras originadas do árabe.

De origem bantu, ela é uma das línguas oficiais de países como o Quênia, Tanzânia e Uganda, embora os seus falantes nativos, os povos suaílis, sejam originários apenas das regiões costeiras do Oceano Índico. Para facilitar a comunicação com a população local, Guilherme conta que aprendeu algumas palavras como “bom dia”, “por favor”, “desculpe”, “obrigado” e “até logo” em diferentes línguas, mas foi em swahili, que ele se empenhou mais…

– Eu treinei e aprendi o suficiente para pedir comida, descobrir horários de transporte, negociar preço na frente de um turista e ser cobrado com o preço local! – brinca, citando algumas festividades em que ele esteve presente como O Dia de São João, em Moçambique, e o Ano Novo Etíope, comemorado em 11 de setembro (O calendário Etíope, conhecido também como calendário Ge’ez, é o mais usado no país).

Culturalmente, ele destaca a Etiópia e Madagascar como países surpreendentes, mas lembra que foi inesquecível encontrar com os Bushmen no interior de Botsuana e  conhecer o povo Himba, no norte da Namíbia.

Tomando chá e batendo papo em Berbera Somalilândia - Foto de Guilherme Canaver – Viajei de Dhow (barco a vela) pelas ilhas do arquipélago de Querimba, no norte do de Moçambique, e passei por ilhas muito isoladas. Bater papo em pequenas comunidades no deserto da Somalilândia também não tem preço – conta o desbravador, que hoje trabalha como autônomo e dá palestras e treinamentos relacionados a turismo.

Imprevistos e perigo 

Viajar de transporte público não é uma tarefa simples nas grandes cidades, tampouco nas regiões mais isoladas da África. Esse é o ponto fraco de muitos países, e é por isso que os maiores desafios estão ligados ao transporte.

– Na região de Niassa, no norte de Moçambique, a van quebrou, e como já estava anoitecendo, não passou ninguém para pegar carona. Tivemos que dormir na beira da estrada, mas fomos recompensados com um céu espetacular e com pessoas que nos ofereceram batata doce.

O trem de Kigoma até Dar Es Salam (Tanzânia) tomou dois dias da viagem. Ele também viajou de carona no interior da Etiópia, e para o motorista não dormir, ele era “movido” a Khat (uma planta nativa das áreas tropicais da África Oriental e da Península Arábica) e música alta.

Quebrando os estereótipos

Festa Meskel, Addis Abeba, Etiópia - Foto de Guilherme Canaver O imaginário de quem acompanha o que acontece na África pelas lentes da mídia é, muitas vezes, corrompido, estereotipado. Geralmente, imagina-se a África como um continente que precisa de muita ajuda externa, incapaz de andar com as “próprias pernas”. Essa parte do planeta tem uma economia que cresce, em média, 5% ao ano e tem muito para mostrar, inspirar, transformar.

– Os grandes centros me surpreenderam com uma economia que não para de crescer. Em plena crise global, inúmeras construções de prédios em Addis Abeba chamaram a minha atenção. Deparar-se com Kigali (Ruanda) toda limpa e com carros parando para você atravessar a rua foi impressionante! Com certeza, é um continente em transformação, e tem muita gente ganhando dinheiro com isto.

Poder sentir esse movimento que mistura tradição com modernidade e conhecer os protagonistas de uma África de cultura e costumes tão diversos abriram também uma nova estrada para o entendimento deste continente de mais de 1 bilhão de habitantes.

– Acredito mais nos africanos transformando o continente do que nos estrangeiros. A ideia que se tem do continente é de lugares perigosos e pessoas tristes, mas eu encontrei centenas de pessoas dispostas a me ajudar, a dividir o almoço, quando talvez nem tivessem algo para comer à noite. Pessoas que não tinham nada, mas mesmo assim estavam com um grande sorriso no rosto. Muitas vezes a vida se manifesta de maneira incomparável em ambientes difíceis e hostis.

Veja parte deste roteiro e de outros pelo mundo aqui 

Por dentro da África 

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