Retratos da aids: Um estudo preliminar a partir de obras audiovisuais

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Luta contra o HIV em Moçambique
Luta contra o HIV em Moçambique – Natalia da Luz

Teses e Monografias

Tema: RETRATOS DA AIDS: Um estudo preliminar a partir de obras audiovisuais selecionadas

Aluno de graduação: Andre Moreira de Araújo

Universidade Federal Fluminense – Escola de Serviço Social de Niterói, Rio de Janeiro

O presente trabalho de conclusão de curso aborda as representações da AIDS nas obras audiovisuais (filmes e documentários). Surgida nos anos 1980, cercada de mistérios decorrentes do não conhecimento da etiologia da doença e sua altíssima letalidade, a AIDS tem seu percurso marcado por estigmas, preconceitos e discriminações, principalmente relacionados às chamadas “minorias” (homossexuais, mulheres, dentre outros). Acompanhar como a epidemia tem sido retratada na produção audiovisual desde o surgimento do primeiro caso da doença constitui o objetivo central deste TCC.

Entende-se que as obras de arte, dentre elas as audiovisuais, não são neutras. Ao contrário, como criações humanas, elas expressam percepções, emoções e ideias presentes em um dado contexto histórico. São, portanto, carreadas de significados. Nesses termos, esse TCC parte do reconhecimento de que filmes e documentários têm uma contribuição social, na medida em que podem incentivar pessoas e grupos sociais a questionar e repensar valores e outros símbolos sociais, a construir relações sociais mais conscientes e sólidas, a desmistificar e conhecer melhor o mundo em que vivem.

Como a AIDS é retratada no cinema? As abordagens têm enfrentado os preconceitos e estigmas relacionados à epidemia? Ou têm reforçado os mesmos? Para buscar respostas a essas perguntas, o TCC enfoca a produção audiovisual ao longo de três décadas, desde o surgimento da epidemia no início dos anos oitenta até o presente momento. Assim, busca-se traçar um panorama, desde o primeiro filme sobre o HIV, quando pouco se sabia sobre a doença, ressaltando os desafios na década de oitenta quando a epidemia surge e milhares de pessoas são dizimadas pela AIDS. Será examinada a forma como os filmes retratam o portador do vírus HIV, o contexto da história de acordo com a época, os estereótipos apresentados, o preconceito explícito, entre outros assuntos relevantes.

Capítulo 1 –

A epidemia da AIDS: um breve registro histórico Esse capítulo se destina a abordar, ainda que de forma breve, a trajetória histórica da epidemia de AIDS, desde seu surgimento até as tendências atuais, com especial atenção para a realidade brasileira. Nessa trajetória histórica, priorizou-se enfocar as representações sociais em torno da epidemia da AIDS e de seus portadores, bem como as respostas construídas para o enfrentamento da doença.

1.1. AIDS e estigma: um panorama da epidemia desde suas origens

O início dos anos 1980 se deparou com uma estranha e mortal doença que atingia os Estados Unidos, o Haiti e a África Central. As primeiras vítimas identificadas eram homossexuais masculinos, oriundos das cidades norte-americanas de São Francisco, Los Angeles e Nova York, que apresentavam uma enorme diminuição da imunidade celular. Não tardou para que a desconhecida doença fosse associada à homossexualidade, sendo identificada como “câncer gay”. Era o início de uma discussão que envolvia morte, preconceito e sexo.

No ano de 1982, novos casos foram identificados, agora em homens bissexuais, profissionais do sexo e usuários de drogas. Já comumente estigmatizados, esses grupos viram crescer ainda mais a discriminação em função de seus comportamentos considerados “desviantes” e “anormais” em relação aos padrões sociais vigentes. Como aponta Soares (2002), apesar do profundo desconhecimento científico sobre a AIDS à época, referências simbólicas sobre a doença começavam a se cristalizar, graças, em grande medida, à influência da mídia e ao tom geralmente alarmista de suas matérias.

Para Tronca (2000:133), “um suposto ‘estilo de vida gay’, cruzado com o uso de drogas inalantes (poppers), foi o parâmetro segundo o qual a epidemiologia construiu a história da AIDS nos Estados Unidos”. Ao mesmo tempo, pessoas que passavam por cirurgias e/ ou transfusões sanguíneas também acabaram sendo infectadas pela AIDS, na medida em que ainda não existiam técnicas para detectar o vírus.

A “misteriosa doença” logo preocupou as autoridades de saúde pública nos Estados Unidos que adotou a expressão “Doença dos 5H”, devido ao perfil das pessoas infectadas: homossexuais, haitianos, 14 heroinômanos (usuários de heroína injetável), hemofílicos e hookers (termo em inglês para profissionais do sexo). A epidemia da AIDS gerou grande impacto na sociedade em uma época ausente de informações cientificamente concretas. Logo o preconceito emergiu junto àqueles que possuíam o vírus ou mesmo que faziam parte do considerado grupo de risco. Expressões como “câncer gay” ou “peste gay” passaram a ser associadas à AIDS aumentando ainda mais a discriminação e a intolerância em relação à orientação sexual.

A década de 1980 foi marcada, assim, pelo surgimento da epidemia da AIDS, a qual veio acompanhada de proposições de mudanças expressivas em todos os campos (principalmente na área de saúde e social). Sem sombra de dúvidas, trata-se de um período de transformações importantes para toda uma geração recém-saída da revolução sexual vivenciada nos anos setenta. Essas transformações (surgimento da AIDS) obrigaram a sociedade a refletir a respeito e a medicina a procurar respostas para a epidemia que em um curto prazo de tempo levava as vítimas a óbito. Pouco se sabia a respeito da doença, a não ser alguns fatores potenciais de risco, tais como a transmissão pelo contato sexual, o uso de drogas injetáveis ou mesmo exposição a sangue e derivados.

A medicina corria contra o tempo procurando respostas para a doença que vitimava milhares de pessoas ao redor do mundo, especialmente homossexuais masculinos. Em 1984, a equipe do médico Luc Montagnier, do Instituto Pasteur, na França, isola e caracteriza um retrovírus como o causador da AIDS. Tem início uma disputa entre os grupos de médicos do americano Robert Gallo e do francês Montagnier pela descoberta do vírus HIV. (BRASIL: 2015). Em meados de 1985, ocorre um grande avanço no controle da epidemia: a criação de testes para diagnosticar a infecção pelo HIV, que foram utilizados nas triagens para banco de sangue, reduzindo em quase cem por cento a transmissão do vírus HIV através de transfusão de sanguínea.

Dois anos depois, a Assembleia Mundial de Saúde, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), transforma o dia 1° de dezembro em Dia Mundial de Luta contra a AIDS, no intuito de efetivar a solidariedade, a tolerância, a compaixão e a compreensão em relação às pessoas infectadas pelo HIV. (BRASIL: 2015). 15 Descoberta inicialmente, conforme citamos, nos Estados Unidos, Haiti e África Central, não tardou para que surgissem sinais da epidemia em outros países. O “perfil” das vítimas também se expandiu. Se no passado a AIDS estava relacionada a um “grupo de risco”, isto é, homens que fazem sexo com homens (HSH), profissionais do sexo, usuários de drogas, pacientes transfundidos por sangue e hemoderivados, um outro perfil que até então não se enquadrava nessa categoria de “risco”, chamou atenção da sociedade a partir do momento em que os heterossexuais se descobriram portadores da doença.

De fato, alguns anos depois do início da epidemia, surgiram os primeiros casos envolvendo heterossexuais e crianças infectadas pelo vírus da AIDS, principalmente durante a gestação, conhecida como transmissão vertical1 . A partir do momento em que a medicina estabelece, nos primórdios da doença, como grupo de risco alvo os homossexuais e usuários de drogas, não estaria ela afirmando que heterossexuais estariam imunes ao HIV, colaborando dessa forma para a disseminação da AIDS? Teria sido uma falha da medicina estigmatizar uma determinada comunidade (homossexual) como a principal vítima da AIDS? Em face dos novos contornos da epidemia, a expressão comportamento de risco veio em um momento onde o HIV já havia contaminado um grande número de pessoas que até então eram consideradas “fora de risco”.

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