“Nossa força é a ancestralidade”, por Gerson Brandão

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Porto Sem- Volta, Benin – Foto de Gerson Brandão

Por Gerson Brandão, Por dentro da África

que a força vem da ancestralidade é a lição de todos os dias nas religiões de matriz africana: uma mensagem educativa de valorização da família e de respeito aos mais velhos. E a história de sofrimento, mas também de resiliência relacionada com a chegada do povo negro no Brasil é o melhor exemplo de que os ancestrais devem ser uma constante fonte de inspiração.

O tráfico de escravos era uma jornada que começava no chamado porto sem-volta, na cidade de Ouidah, no Benin, o principal porto de escravos por quase dois séculos, entre 1670 e 1860. O comércio transatlântico de escravos era, segundo estudiosos do tema, provavelmente o mais caro em vidas humanas[i] de todas as migrações globais de longa distância. A travessia do Oceano Atlântico era particularmente perigosa – 1 pessoa em cada dez não sobrevivia a viagem por conta das condições desumanas em que os escravos eram mantidos: nus, transportados como mercadoria, colados juntos uns aos outros, acorrentados por longos períodos, fazendo suas necessidades básicas, dormindo, vivendo todos no mesmo porão!

O porto-sem-volta, como ponto de peregrinação para afrodescendentes pode ser considerado como a melhor definição do reencontro com a história, e a valorização pela diáspora da importância dos antepassados. O Brasil foi um dos pilares do comércio transatlântico de escravos, o maior importador de escravos da África para as Américas e, além disso, a última “nação-importadora” a proibir (1888) esse comércio! Anos de injustiça se perpetuaram no Brasil, um ciclo de submissão e desrespeito que, apesar de tudo não esmoreceu àqueles que apesar das adversidades sobreviveram, e, viveram para criar laços e contribuir para o progresso de uma terra tão hostil.

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Debret – Reprodução

Especialmente no Brasil, comparando com outros países como os Estados Unidos, a taxa de mortalidade de escravos era tão alta e a taxa de natalidade tão baixa que os colonos não conseguiam manter a mão-de-obra sem importações da África! As condições de vida no Brasil eram particularmente abomináveis para os escravos. Grávidas eram obrigadas a manter o mesmo ritmo de trabalho durante toda a gravidez, bebês eram desmamados aos 3 meses de idade. O negro e a mulher negra sobreviveram a tudo e cuidaram de manter suas tradições!

Os escravos tiveram que lutar e ser criativos para se adaptar ao novo ambiente. O apego às suas tradições culturais foram cruciais naquele combate contínuo pela vida. Através da religião, como o candomblé, os africanos tentaram reconstruir uma tradição e identidade africana no Brasil. Por essas e outras razões que na Casa Branca, que no Ile Axé Ya Nassô Oká, o primeiro templo de culto africano do Brasil, fundado pela Princesa Iorubá Francisca da Silva, celebramos a ancestralidade, todos os dias!

Mojubá (sua benção!), Yá Nassô!

Gerson Brandão é Ogan d’Osun, mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Estrasburgo e recentemente visitou o porto sem-volta.

 

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